Capítulo 13;

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POV Jubilee

Estamos todos ligados por fios invisíveis.

Quando entrei pela primeira vez na internet, o Mr. Whintters explicou-me que aquilo é um verdadeiro tapete, composto por milhares de fileiras que não se vêem, mas que todas juntas conseguem construir uma rede sólida. Começo a achar que não somos assim tão diferentes da internet, porque cada um de nós, à sua maneira, acaba por se ligar a várias pessoas por um sem-número de fios invisíveis. A dada altura, explicou o Mr. Whintters, as ligações são tantas, que de cada vez que um dos fios se parte, a estrutura treme, mas não cede.

Essa é a diferença entre a internet e as pessoas, é que a probabilidade de a estrutura ceder é maior...basta cortar o fio certo.

Assim que fugi de casa precisava de procurar um sítio capaz de atenuar as suspeitas da fuga. Um sítio onde as pessoas não soubessem sequer ligar um computador e onde os hackers fossem apenas os bichinhos do pó mal pronunciados. Um sítio como uma loja de conveniência temática, com um patrão tirano, demasiado ocupado a tentar ludibriar os clientes para se preocupar com o antecedente criminal das suas empregadas. Um sítio como Taunton.

*

Faz este mês dois anos desde que fugi para Taunton, o que quer dizer que faz também dois anos desde que deixei de falar com o Aston. Tentei por várias vezes estabelecer contato com ele, mas não consegui pois ele fechou a conta que tinha no MUD. No entanto, o choque de não poder falar com ele foi rapidamente substituído por uma aparente racionalidade em lidar com a situação: nos primeiros meses, ao fim do dia, logo após fechar a loja, viajava até à cidade vizinha para ir a um cyber café, onde entrava no MUD com o coração a bater na ponta dos dedos, mesmo junto às teclas. De toda a vez que lá fui, vim embora desiludida pela falta de notícias, mas em cada manhã uma luzinha de esperança movia-me para a mesma rotina.

Agora, visto em perspetiva, acho que a ideia de ter um plano, ainda que ridículo, era a única coisa que me fazia continuar. As perguntas multiplicavam-se na minha mente, e as respostas para o desaparecimento súbito do Aston ganhavam a forma de rocambolescas conspirações: talvez ele tenha arranjado uma namorada real e palpável que não o deixe voltar a cair para dentro da rede dos fios invisíveis, talvez ele tenha sabido do "ataque virtual à segurança nacional" e não queira dar-se com uma pirata informática, talvez ele tenha descoberto, de alguma forma, a cor do meu cabelo...talvez, talvez, talvez.

Durante os primeiros tempos - que foram longos, diga-se de passagem - o esforço que eu fazia a trabalhar 10 horas seguidas na "Terra à Vista" não se comparava sequer ao esforço que eu empreendia na tarefa de procurar estabelecer contato com o Aston. Interroguei todas as personagens do MUD que o conheciam, tentei entrar no pc dele, mas sem sucesso, e pouco faltou para consultar os registos de nascimento de cada cidade da Inglaterra, embora nem o nome dele soubesse.

Jurei para mim mesma que não ia admitir que ele havia saído da minha vida por legítima vontade, e tomei a madura decisão - ou nem tanto - de não chorar por este assunto. A única coisa que eu teria de fazer, seria continuar a enfrentar isto com o máximo de racionalidade possível, a empreender estratégias e planos milimetricamente traçados no meu diário para o encontrar, e tudo ficaria bem.

Um dia, cerca de 11 meses depois de ter saído de casa, estava a entrar no cyber café quando me detive à porta: um cartaz de publicidade meio rasgado estava colado na parede ao lado da entrada, onde em letras garrafais se lia a frase "E hoje, está feliz?". Foi nesse preciso momento, em frente a um cartaz mal-amanhado a publicitar uma nova gama de iogurtes com 0% de açúcar, que eu percebi que não estava feliz, nem hoje, nem ontem, nem provavelmente no dia seguinte.

Assim, no momento mais improvável e inoportuno, eu desfiz-me em soluços incontroláveis, mesmo no meio da rua, com o olhar preso ao maldito cartaz. Uma senhora veio ter comigo, perguntando se eu precisava de algo, e eu quis contar-lhe que havia perdido o amor da minha vida, que nem sequer sei como se chama, nem tampouco como se parece, mas que ao ir embora levou-me também, e isso só pode ser amor. Mas percebi que para isso teria de explicar a história toda, e se há coisa que aprendi nestes onze meses, é que ninguém tem nada a ver com os amores dos outros. Por isso limpei as lágrimas e respondi que em breve iria passar, o que não foi totalmente mentira...porque tudo passa, não é?

(Un)forgettableOnde as histórias ganham vida. Descobre agora