POV Jubilee
Estamos todos ligados por fios invisíveis.
Quando entrei pela primeira vez na internet, o Mr. Whintters explicou-me que aquilo é um verdadeiro tapete, composto por milhares de fileiras que não se vêem, mas que todas juntas conseguem construir uma rede sólida. Começo a achar que não somos assim tão diferentes da internet, porque cada um de nós, à sua maneira, acaba por se ligar a várias pessoas por um sem-número de fios invisíveis. A dada altura, explicou o Mr. Whintters, as ligações são tantas, que de cada vez que um dos fios se parte, a estrutura treme, mas não cede.
Essa é a diferença entre a internet e as pessoas, é que a probabilidade de a estrutura ceder é maior...basta cortar o fio certo.
Assim que fugi de casa precisava de procurar um sítio capaz de atenuar as suspeitas da fuga. Um sítio onde as pessoas não soubessem sequer ligar um computador e onde os hackers fossem apenas os bichinhos do pó mal pronunciados. Um sítio como uma loja de conveniência temática, com um patrão tirano, demasiado ocupado a tentar ludibriar os clientes para se preocupar com o antecedente criminal das suas empregadas. Um sítio como Taunton.
*
Faz este mês dois anos desde que fugi para Taunton, o que quer dizer que faz também dois anos desde que deixei de falar com o Aston. Tentei por várias vezes estabelecer contato com ele, mas não consegui pois ele fechou a conta que tinha no MUD. No entanto, o choque de não poder falar com ele foi rapidamente substituído por uma aparente racionalidade em lidar com a situação: nos primeiros meses, ao fim do dia, logo após fechar a loja, viajava até à cidade vizinha para ir a um cyber café, onde entrava no MUD com o coração a bater na ponta dos dedos, mesmo junto às teclas. De toda a vez que lá fui, vim embora desiludida pela falta de notícias, mas em cada manhã uma luzinha de esperança movia-me para a mesma rotina.
Agora, visto em perspetiva, acho que a ideia de ter um plano, ainda que ridículo, era a única coisa que me fazia continuar. As perguntas multiplicavam-se na minha mente, e as respostas para o desaparecimento súbito do Aston ganhavam a forma de rocambolescas conspirações: talvez ele tenha arranjado uma namorada real e palpável que não o deixe voltar a cair para dentro da rede dos fios invisíveis, talvez ele tenha sabido do "ataque virtual à segurança nacional" e não queira dar-se com uma pirata informática, talvez ele tenha descoberto, de alguma forma, a cor do meu cabelo...talvez, talvez, talvez.
Durante os primeiros tempos - que foram longos, diga-se de passagem - o esforço que eu fazia a trabalhar 10 horas seguidas na "Terra à Vista" não se comparava sequer ao esforço que eu empreendia na tarefa de procurar estabelecer contato com o Aston. Interroguei todas as personagens do MUD que o conheciam, tentei entrar no pc dele, mas sem sucesso, e pouco faltou para consultar os registos de nascimento de cada cidade da Inglaterra, embora nem o nome dele soubesse.
Jurei para mim mesma que não ia admitir que ele havia saído da minha vida por legítima vontade, e tomei a madura decisão - ou nem tanto - de não chorar por este assunto. A única coisa que eu teria de fazer, seria continuar a enfrentar isto com o máximo de racionalidade possível, a empreender estratégias e planos milimetricamente traçados no meu diário para o encontrar, e tudo ficaria bem.
Um dia, cerca de 11 meses depois de ter saído de casa, estava a entrar no cyber café quando me detive à porta: um cartaz de publicidade meio rasgado estava colado na parede ao lado da entrada, onde em letras garrafais se lia a frase "E hoje, está feliz?". Foi nesse preciso momento, em frente a um cartaz mal-amanhado a publicitar uma nova gama de iogurtes com 0% de açúcar, que eu percebi que não estava feliz, nem hoje, nem ontem, nem provavelmente no dia seguinte.
Assim, no momento mais improvável e inoportuno, eu desfiz-me em soluços incontroláveis, mesmo no meio da rua, com o olhar preso ao maldito cartaz. Uma senhora veio ter comigo, perguntando se eu precisava de algo, e eu quis contar-lhe que havia perdido o amor da minha vida, que nem sequer sei como se chama, nem tampouco como se parece, mas que ao ir embora levou-me também, e isso só pode ser amor. Mas percebi que para isso teria de explicar a história toda, e se há coisa que aprendi nestes onze meses, é que ninguém tem nada a ver com os amores dos outros. Por isso limpei as lágrimas e respondi que em breve iria passar, o que não foi totalmente mentira...porque tudo passa, não é?
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(Un)forgettable
Teen Fiction"Dizem que quem conta um conto acrescenta um ponto. Mesmo as vossas memórias, não são mais do que aquilo que escolheram lembrar de um passado que nunca será recordado exatamente como aconteceu. Mas comigo é diferente: o meu nome é Harry e eu não acr...