Hotel

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O apartamento de Letícia e Daniel ficou inabitável. Eles não tinham onde ficar. Na noite em que o teto caiu, eles foram acolhidos por uma família simpática que morava ao lado.

– Passamos de universitários a sem-teto. – Daniel comentou com Letícia, na ocasião – Olha só como estamos progredindo.

Daniel ficava pensando o tempo todo no fato de que Letícia impedira que ele fosse esmagado. Curiosamente, não conseguia falar sobre o assunto com ela. O que é que ele ia dizer, afinal? Palavras não eram suficientes. Ele não ia dizer "Valeu por salvar a minha vida, Letícia". Não ia mesmo. O que Daniel queria era arranjar uma forma de pagar aquela dívida, que estava crescendo cada vez mais. E ele não fazia ideia de como faria isso.

A destruição do teto da sala de estar e o quase esmagamento de Daniel finalmente foram suficientes para chamar a atenção de Antônio, o pai do rapaz. O acontecimento foi um escândalo para os moradores do prédio, e finalmente Antônio, percebendo a gravidade dos problemas, começou a conduzir as reformas e manutenções necessárias em todo o prédio. Ficou previsto que a restauração da residência dos dois jovens levaria, no mínimo, um semana.

Logo no dia seguinte à queda do teto, Daniel informou à Letícia:

– Acabei de falar com meu pai pelo celular. Ele disse que hoje mesmo vão começar as reformas no prédio e no nosso apartamento. Mesmo assim, vai demorar no mínimo uma semana até a gente poder voltar a morar lá.

– E onde é que a gente vai ficar enquanto isso? – perguntou Letícia, um tanto desorientada.

– Meu pai disse que reservou um quarto de hotel pra gente. Vamos dormir no hotel e fazer todas as refeições lá, enquanto terminam de arrumar o apartamento.

A história do "um quarto de hotel pra gente" chamou a atenção da garota. Ela realmente esperava que não fosse, literalmente, um quarto. Dividir um apartamento com Daniel era uma coisa. Mas dividir o quarto? Aí já era sacanagem.

Os dois jovens tiveram que ultrapassar as ruínas da sala para chegar até os quartos e conseguir fazer as malas. Havia poeira em todo lugar. Letícia ficou satisfeita em pegar suas coisas e dar o fora dali. Daniel ainda estava reclamando da destruição de seu videogame, que estava soterrado por concreto.

Daniel pegou a chave do carro, colocou a bagagem no porta-malas e verificou o endereço do tal hotel. Sentada no banco do passageiro, ao lado de Daniel, Letícia não sabia muito bem o que esperar. E ela detestava aquela incerteza.

Bem, ao menos de uma coisa ela teve certeza: Daniel dirigindo era uma ameaça à sociedade. O rapaz dirigiu até o hotel escutando Letícia censurá-lo por todo o caminho, dizendo coisas como:

– Aquilo era um sinal vermelho. Eu não sei se você sabe disso, mas O VERMELHO SIGNIFICA QUE VOCÊ TEM QUE PARAR! QUER MATAR A GENTE, SEU DOIDO?

– Não atropele o cachorro. Pelo amor de Deus.

– Ande na velocidade da via, Daniel. Isso aqui não é "Velozes e Furiosos".

– Você acaba de ser multado pela fiscalização eletrônica. Bem feito. Pense em quantos jogos de videogame você poderia ter comprado com o dinheiro que vai gastar pagando a multa. Não que eu ligue, só estou falando isso pra você se sentir devidamente punido. Ah, é, você nem tem mais videogame. Esquece.

– Você é a passageira mais chata de todos os tempos. – retrucou Daniel, depois de ouvir a esse último comentário.

Assim que eles viram a fachada do hotel em que ficariam, pararam de discutir na hora.

– Meu pai realmente deve estar se sentindo bem culpado pelo que aconteceu. – comentou Daniel – Esse é o lugar mais incrível que eu já vi.

Era um hotel cinco estrelas, com fontes de água decorativas, pessoas uniformizadas abrindo a porta do carro pra eles, manobristas, tapetes vermelhos e lustres de cristal pendurados no teto inacreditavelmente alto da recepção.

– Não acha que seu pai exagerou um pouco? – perguntou Letícia, depois que os dois fizeram o check-in e descobriram que a suíte presidencial fora reservada pra eles.

– Meu pai é assim mesmo, sabe? Deve estar se sentindo culpado por ter negligenciado aquele prédio por tanto tempo e quase provocado a nossa morte. O jeito dele de pedir desculpas é esse.

Enquanto os dois pegavam o elevador panorâmico até a suíte presidencial, na cobertura, Daniel continuou explicando:

– Ele sempre agiu assim, desde que eu era criança. Sempre que pisava na bola comigo, meu pai comprava alguma coisa cara pra mim. Algum brinquedo que eu quisesse, um videogame novo, uma tv de plasma. Por exemplo, teve um dia em que ele não foi me ver na final do campeonato estudantil de futebol, porque preferiu ir trabalhar. No dia seguinte, eu ganhei um IPhone.

Os dois olharam pelo vidro do elevador panorâmico em silêncio por alguns segundos.

– Aqui tem piscina, sauna, quadras de tênis, spa, academia e pessoas uniformizadas fazendo tudo o que você mandar. – comentou Daniel, animadamente – Vai parecer que estamos de férias.

– Só que não. – rebateu Letícia – Eu tenho que ir pro estágio todos os dias, fazer quatro fichamentos pra semana que vem e ir pra reunião do movimento estudantil.

Os jovens saíram do elevador e começaram a atravessar o corredor, procurando pela suíte.

– Movimento estudantil, Letícia? – Daniel perguntou, rindo – Só faltava essa. Você tem cara de esquerdista, mesmo. Me avise quando conseguir derrubar o capitalismo, tá bem?

Letícia riu e revirou os olhos.

– É cada uma que eu tenho que escutar.

Assim que os jovens abriram a porta, viram uma suíte grande e luxuosamente decorada. Para o alívio de Letícia, havia dois quartos separados, cada um com um banheiro privado. E com banheira de hidromassagem em cada um deles! Ela mal podia acreditar.

Daniel ficou tão satisfeito com o lugar que disse:

– O teto do nosso apartamento podia cair mais vezes. Isso aqui vai ser o máximo!

Sob o Mesmo TetoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora