Fim de festa

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O cara que segurava Letícia a largou imediatamente assim que percebeu que tinha sido surpreendido por Daniel. A garota apoiou o corpo na parede e voltou a respirar, ofegante. Daniel correu até ela, preocupado, e depois de olhar para Letícia, percebeu que ela estava bem. Ao menos fisicamente.

O homem de regata apertadinha começou a falar alguma coisa, provavelmente para tentar se justificar. Mas ele não teve tempo para isso. Daniel partiu pra cima dele e o socou no rosto cinco vezes seguidas, enfurecido. Letícia gritou alguma coisa, mas Daniel não estava ouvindo. Tudo o que importava pra Daniel naquele momento era destruir aquele cara.

A garota viu o sangue gotejando do nariz do homem e presenciou o momento em que ele finalmente conseguiu contra-atacar, empurrando Daniel e batendo a cabeça dele contra parede. Mas isso não impediu que, segundos depois, Daniel continuasse a golpeá-lo. A fúria que dominava Daniel estava sem dúvida o ajudando a levar vantagem na briga.

A garota finalmente conseguiu sair do estado de choque em que estava e percebeu que seria inútil pedir que eles parassem. Ela saiu do quarto correndo e gritou por ajuda. As pessoas que se divertiam ao som da música alta nem pareceram escutar. Letícia se irritou com aquilo e foi diretamente até a mesa de som. Sem pensar duas vezes, ela puxou de forma ríspida o cabo que conectava o equipamento à eletricidade. A música alta foi interrompida, e em um segundo, o silêncio reinou na sala. Todos olharam para Letícia, boquiabertos.

– Tem duas pessoas se matando dentro do meu quarto. SERÁ QUE DAVA PRA ALGUÉM ME AJUDAR?! - ela exclamou, exasperada.

Felizmente, Letícia conseguiu ajuda. Três caras entraram no quarto e conseguiram impedir que Daniel cometesse um assassinato. Ele tinha um pequeno corte na testa, logo acima da sobrancelha, mas o outro cara estava em um estado bem pior. Não parava de escorrer sangue do nariz dele e seu olho direito estava terrivelmente inchado. O sujeito fugiu do apartamento assim que Daniel prometeu que daria um jeito de colocá-lo atrás das grades. O ódio que transparecia nos olhos de Daniel só diminuiu depois de algum tempo.

A festa acabou ali. A música não voltou a tocar, para o alívio dos moradores do prédio. As pessoas saíram do apartamento de forma ruidosa, conversando e terminando de engolir as bebidas restantes.

Em poucos minutos, Letícia e Daniel estavam sozinhos no apartamento, em meio a caixas de som, copos de plástico espalhados pelo chão e uma bagunça generalizada.

– Eu vou entrar em contato com os advogados do meu pai. A gente vai acabar com a vida daquele cara – murmurou Daniel, sem conseguir olhar diretamente para Letícia.

– Vamos fazer tudo o que for possível, aquele cara é um maníaco. Mas agora eu preciso me acalmar um pouco. – Letícia se sentou e se concentrou apenas em respirar.

Ela e Daniel ficaram quietos por alguns segundos, até a garota quebrar o silêncio.

– Você está sangrando... - disse Letícia, olhando para o corte na testa dele.

Daniel não disse nada. Parecia estar em outro planeta.

– Senta aqui, deixa eu dar uma olhada nisso. - Letícia apontou um lugar do sofá que parecia o menos sujo e foi em direção ao armário da cozinha procurar o kit de primeiros socorros que ela tinha guardado em algum lugar por ali. Ela voltou com o material que precisava e encontrou Daniel sentado no sofá.

Letícia pegou uma cadeira e se posicionou bem em frente a ele. Deu uma olhada no corte e viu que aquele tipo de ferimento era bem fácil de tratar. A irmã dela, Gabi, era agitada demais e costumava se machucar o tempo todo, e por isso Letícia sabia o que fazer naquela situação. A garota começou a limpar o ferimento e olhou nos olhos de Daniel por um momento. O pensamento dele parecia estar a quilômetros dali.

– Ei. Você está bem? - ela perguntou com um tom de voz preocupado.

Era estranho ver Daniel daquele jeito. Pela primeira vez, ele estava com uma expressão séria e tensa. Aquilo não era o normal dele. Letícia soube que embora ele tivesse assentido com a cabeça confirmando que estava bem, a verdade é que ele não estava. Ela limpou o pouco de sangue que estava secando no rosto dele e o silêncio se estendeu por mais alguns segundos que pareceram uma eternidade.

– Pelo amor de Deus, fala alguma coisa. Você está me assustando. Está sentindo muita dor? Ah, caramba, será que você teve uma concussão? - perguntou Letícia, angustiada. Ela começou a procurar por sinais de que ele tivesse se machucado além daquele corte na testa.

– Eu estou bem. - disse Daniel, finalmente fixando o olhar nos olhos dela.

Letícia terminou de fazer o curativo e argumentou:

– Se você estivesse realmente bem, estaria se gabando de ter dado uma surra naquele cara. Ou estaria dizendo algo como "Viu só, eu coloquei aquele som no volume que eu quis e não arranjei problema nenhum, porque eu sou o filho do dono do prédio e blábláblá".

A garota sorriu para Daniel e ele tentou sorrir de volta.

– Me diz o que você está pensando. - ela pediu.

– Eu estou pensando - começou Daniel, sério e um pouco hesitante - no modo como aquele desgraçado olhava pra você. No que ele estava planejando fazer. E no que teria acontecido se...

–Ei, tá tudo bem agora, OK? - ela interrompeu - Você não precisa ficar lembrando disso. Já passou. Por sorte, você chegou na hora certa.

– Eu cheguei na hora certa - ele repetiu baixinho, e deixou escapar um riso que não tinha o menor humor - Você tem noção do que eu fiz? Fui eu que abri a porta para aquele psicopata entrar! Eu só estava preocupado em ganhar uma partida de truco idiota, enquanto ele estava no cômodo ao lado, à vontade pra fazer o que ele quisesse, bem na frente do meu nariz! Quer dizer, como é que eu pude deixar uma coisa dessas acontecer? Você não tinha nada a ver com aquela festa estúpida, eu acabei te envolvendo em uma situação que...

– Daniel. Eu sei, foi horrível o que aconteceu hoje, mas não foi culpa sua, tá legal? Como é que você ia adivinhar que seu amigo era um maníaco?

– Não. Chame. De. Meu. Amigo. Aquele. Filho. Da...

– Tá bom, tá bom. O que eu quis dizer é que a culpa é toda daquele cara, não sua. Eu vou denunciar aquele cretino, talvez não dê em nada, mas mesmo assim vamos tentar.

Daniel respirou fundo e tentou se acalmar. Ele odiava aquilo. Estava sempre falhando com Letícia, uma vez após outra. Desde que eles eram crianças, as confusões que ele armava sempre a atingiam de algum modo. No início, ele não se importava muito. Mas as coisas estavam tomando proporções maiores e o que acontecera alguns minutos atrás era a prova disso. Ele só queria uma chance para compensá-la de alguma forma. Precisava pagar aquela dívida que estava se estendendo mais e mais.

Letícia olhou bem nos olhos de Daniel e se perguntou o que estaria se passando naquela cabeça.

– Bem, você não devia ter se metido numa briga com aquele louco. Foi uma atitude idiota e perigosa, mas eu preciso admitir que foi bem legal quando você socou a cara dele. Acho que o nariz dele nunca mais vai voltar para a posição original. – Letícia tentou animá-lo.

– É claro que foi legal. Eu sou um lutador profissional, não sabia? Eu faço o Anderson Silva parecer tão ameaçador quanto a Branca de Neve – brincou Daniel, sorrindo.

Letícia riu aliviada e usou as duas mãos para desordenar o cabelo castanho dele.

– Esse é o Daniel que eu conheço.

Sob o Mesmo TetoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora