Capítulo um - Guardiões

15.2K 640 642
                                    

Rio de Janeiro – Brasil

O grafite da lapiseira deslizava sobre o papel em movimentos rápidos e precisos. De tempo em tempo, os olhos castanhos desviavam-se do desenho para analisar a modelo: uma gótica que saía de uma festa. A desenhista tentava ser o mais detalhista possível, mas a perfeição era algo difícil de ser alcançado, dadas as condições do momento: estava numa rua mal iluminada, sentada numa calçada, usando os joelhos como apoio para o fino caderno de desenhos. A modelo também não ajudava muito, não parava de se mexer de um lado para o outro, perguntando a todo instante se já estava terminado.

Na vigésima vez que a pergunta foi feita, finalmente ouviu a resposta esperada:

– Taí. – Arrancou a folha do caderno e entregou.

A gótica deu uma boa olhada no desenho e franziu a testa.

– Eu não sou assim. Meu nariz não é tão grande e eu não tenho essas olheiras nem esses olhos tão abertos.

A desenhista pensou em como seria bom ter um espelho em mãos naquele momento. Dessa forma, provaria que dera uma generosa suavizada nas imperfeições que a outra jurava não ter. Porém, achou melhor guardar o comentário para si.

– Só vou pagar metade do preço. – Resmungou a gótica. Tirou do bolso algumas notas amassadas e jogou para a outra. Em seguida, foi embora, levando o desenho consigo.

Guardando a ponta da lapiseira, a desenhista resmungou:

– É… A vida é dura.

Pegou o celular no bolso de trás da calça jeans e apertou a tecla de re-discagem. Segundos depois, foi atendida por uma voz masculina:

– Calma, Shermmine, eu já estou chegando.

– É Shermmie! Vê se aprende a pronunciar o meu nome, droga! Já são onze da noite, estamos perdendo um tempo precioso.

– Relaxa. Faça algo para passar o tempo.

– Acabei de desenhar uma gótica drogada em troca de dez reais.

– Dez? Que desvalorização é essa do seu serviço?

– Hunf, eu estava sem fazer nada mesmo… Vai demorar muito?

– Não. Relaxa, em cinco minutos estarei aí.

Shermmie desligou o celular e o guardou, juntamente com o dinheiro, no bolso da calça. Jogou o caderno de desenho e a lapiseira dentro de uma pequena mochila e começou a desfazer a trança de seus longos cabelos castanho-escuros, que caíam sobre o ombro direito, apenas para, instantes depois, refazê-la.

Assim que terminou, avistou o vulto de um rapaz alto vindo em sua direção. Levantou-se, começando a sacudir a poeira da roupa.

– Mas já era hora. – Resmungou, olhando para a mansão que estava atrás de si.

************

A festa acontecia já há algumas horas. No salão, jovens animados dançavam ou conversavam em pequenos grupos. Pelos cantos, sentados em cadeiras ou mesmo de pé, em pequenos círculos, estavam os mais velhos. As mulheres falavam de coisas triviais, enquanto, entre os homens o assunto era sempre o mesmo: negócios.

Todos estavam entretidos com a festa, com exceção daquela que, pela lógica, deveria ser a pessoa mais animada: a homenageada da noite, uma jovem de vinte e um anos. Vestia-se elegantemente com um longo cor de prata e seus longos e lisos cabelos loiros mantinham-se presos por um alto rabo de cavalo. No entanto, ela não parecia entusiasmada. Caminhava de um lado para o outro, isolada.

GuardiansOnde as histórias ganham vida. Descobre agora