Capítulo vinte e três - O telefone que nunca toca

3.1K 237 89
                                    

Hikari sentia que sua consciência oscilava. Depois de avistar aquele homem (?) diante de si, ela sentiu as pálpebras tornarem a fechar e parecia que havia apagado por horas antes de abri-las novamente. Mas, na verdade, passaram-se apenas dois ou três minutos. O que a despertou daquele breve cochilo foi perceber que alguém afastava delicadamente o cabelo que caía sobre seu rosto e colocava a mão em sua testa. Contudo, não era o mesmo ser que ela avistara minutos antes. Dessa vez, era uma mulher... Ou melhor, uma youkai. Agora ela tinha certeza disso, pois viu que a criatura tinha orelhas que lembravam as de uma raposa, embora o restante da aparência fosse completamente humana. Os cabelos dela eram negros, lisos e caiam-lhe sobre o rosto num corte desfiado. Outra coisa que denunciava sua origem youkai eram os olhos puxados – tais quais os de uma oriental – cujas pupilas possuíam um tom lilás.

A ariana sabia que, se fosse em qualquer outro momento, ficaria amedrontada numa situação como aquela. Agora, entretanto, era indiferente. O máximo que conseguia sentir era repulsa por aqueles seres... Mas tal sentimento pareceu se amenizar quando a estranha, percebendo que ela estava acordada, lhe sorriu de forma amável.

– Que bom que acordou. – Disse-lhe a youkai, ainda com a mão sobre sua testa. Hikari percebeu que os traços humanos dela eram bonitos. E era jovem... Aparentava cerca de trinta anos de idade. – Diga-me, o que uma garotinha humana como você faz perdida num lugar desses?

– Humana? – Quem perguntou foi uma voz masculina. E Hikari olhou novamente para aquele ser encapuzado.

– Meio-humana. – A youkai respondeu.

Hikari ficou intrigada por aquela forma de falar. "Meio-HUMANA"? Era como se o fator "humano" fosse o que devesse ser menosprezado. Será que aqueles malditos achavam que sua raça tivesse importância tal para falarem daquele jeito?

– Mas pelas roupas, certamente veio do outro lado da barreira. – Continuou a youkai. – O que vamos fazer com ela?

Curiosa acerca da resposta, Hikari voltou os olhos para o encapuzado. Olhando-o atentamente, conseguiu enxergar, por baixo do capuz, uma cicatriz em seu rosto, do lado direito da face. Mas ela não aguentou até que ele respondesse algo. Antes disso, desmaiou novamente.

Dessa vez, levaria ainda algumas horas para acordar.

----------

– Toca!

A ordem foi prontamente ignorada. Mas Live não se deu por vencida e repetiu:

– Toca! – Fez uma pausa de alguns segundos, olhando desafiadoramente para o aparelho que segurava – Toca! Toca! Toca! Arg... Celular idiota! Por Vishnu, eu ordeno que toque!

Revoltada, ela começou a bater o telefone contra o colchão do leito. Apenas parou, assustada, quando as luzes do quarto subitamente se acenderam.

– Hm... Eu não mandei a luz acender! Mandei esse celular tocar! Os deuses não andam entendendo bem os meus pedidos.

Ainda sentada na cama, cruzou os braços e fez bico, irritada. Até que se assustou novamente, com um estranho barulho que parecia vir do corredor. Inicialmente, temeu que fossem youkais, mas logo ouviu o som das conhecidas vozes de Maire e Micaela. Com isso, apressou-se em pegar seu celular e esconder por entre as camadas de tecido de suas roupas hindus.

Em poucos instantes, as duas europeias surgiram na porta, adentrando ao quarto.

– As luzes voltaram! – Live anunciou, interrompendo qualquer coisa trivial que elas conversavam quando chegaram.

– Pois é. – Maire confirmou, sorrindo – A Mic achou o gerador.

Live vibrou com a notícia. Enfim, agora teriam luz! Luz, geladeira, talvez houvesse algum chuveiro de água quente em algum banheiro daquele hospital... Certo que ficariam ali por uma noite, apenas, mas seria bom ter um mínimo de conforto. Dessa forma, poderiam relaxar um pouco antes de enfrentarem o pior.

GuardiansOnde as histórias ganham vida. Descobre agora