Cap 5

160 6 0
                                    

O vestido, ainda que fosse belo, era desconfortável. Juntava os seios, forçando-os para cima, e apertava a cintura a tal ponto que tornava a respiração difícil. Mesmo assim, a doutora Normani Kordai gostou da imagem refletida no espelho de corpo inteiro. Uma Belle do passado. Frágil, delicada, um objeto a ser adorado.

Deus meu, pensou, as mulheres, de fato, sentiam-se assim no passado.

Distanciando-se do espelho, olhou ao redor do quarto. Parecia saído de um sonho. As cortinas de cetim, a cama magnífica coberta com uma colcha espessa de cetim que combinava com a cobertura do dossel — todos os tons de pêssego. O carpete fofo, a delicada mobília dourada, as alegres pinturas na parede, os vasos de flores frescas. Tudo muito feminino, muito romântico.

Na verdade, era o mesmo quarto que tinha ocupado na semana anterior, quando o rendez-vous com o gatuno fora interrompido pelo chamado do hospital. Desde então, vinha tentando remarcar seu compromisso no Scorpion, mas surgiram complicações. Primeiro, ela não tinha disponibilidade. E depois, foi ele quem não esteve disponível.

Estranho. Normani sentiu uma momentânea pontada de ciúme ao saber que não poderia estar com ele em uma determinada noite. Pela primeira vez nos meses em que esteve frequentando o Scorpion, Normani Kordai refletiu sobre a realidade do seu acompanhante servindo outras associadas. E, pela primeira vez, sentiu-se possessiva em relação a ele. Racionalmente, ela dizia para si: Ele é um amante contratado. Cuida de outras mulheres.

Emocionalmente, porém, Normani se surpreendeu ao se flagrar pensando: Ele é meu. Pertence a mim.

Esteve com esse acompanhante somente três vezes. Antes dele houve uma variedade de homens — nenhum deles satisfatório, nenhum deles capaz de ajudar. E foi então que ela o conheceu. Foi na noite da sua fantasia veneziana. Os antigos moradores de Veneza usavam máscaras quando desfilavam pela Praça de São Marcos. Teve essa idéia após assistir ao filme Amadeus. Um homem, todo de preto — com uma capa e usando uma máscara negra — invadira seu quarto e fizera amor extraordinário com ela.

Foi o mais perto que Normani chegou de ter um orgasmo.

Por isso ela o requisitou novamente.

Ele foi o salteador na segunda vez, aquele do poema. Arrojado, impetuoso, mas também gentil, invadindo seu quarto, surpreendendo-a em seu bordado, e fazendo amor com ela. Daquela vez também, ela chegara muito perto do auge sexual que jamais experimentara em toda a sua vida. E, portanto, na terceira vez, quando ligara para o Scorpion para combinar os detalhes, requisitara o mesmo acompanhante, e naquela vez pedira que ele fosse um ladrão.

A sessão, entretanto, fora interrompida pelo seu bipe. E naquela noite, ele deveria surgir na forma de um soldado confederado na Guerra Civil — ou, pelo menos, um soldado confederado uniformizado e mascarado, como se ele estivesse em um baile à fantasia.

Não importavam as circunstâncias, Normani exigia que seus homens estivessem mascarados. Não queria ver o rosto do amante. Tampouco eles deveriam ver o seu. A máscara já estava a postos, protegendo-lhe a identidade.

Olhou de relance para o pulso, só para se lembrar de que tinha tirado o relógio. Para a fantasia daquela noite, ela decidira atuar de forma convincente. Depois de despir as roupas modernas e vestir a fantasia de época previamente separada, Normani guardou todos os seus pertences no closet e fechou a porta. O fechamento daquela porta simbolizava o bloqueio da era moderna. Ao renegar todos os adornos dos dias atuais — a bolsa, o relógio, o bipe, a meia-calça — ela mergulharia mais facilmente no passado.

Algo necessário para que o seu experimento funcionasse.

Por experiência própria, Normani sabia que seu acompanhante apareceria a qualquer instante. Ainda mais quando se tratava desses cenários históricos. Sabia que algumas associadas do clube não se davam ao trabalho de toda aquela encenação com cenário e figurino. Elas pediam um modelo, iam para um dos quartos, e se entregavam ao sexo sem trama teatral. Outras, como ela, apreciavam — e precisavam — do drama e do faz de conta para se curar de seu problema, que era o que ela mais desejava.

ScorpionWhere stories live. Discover now