Capítulo 11: O Narcisismo De Dr. Martin

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"Se o mundo, as pessoas, as coisas, seu reflexo e o universo parecerem ter um profundo ódio por você, faça-os sentir o próprio ódio contra eles dez vezes mais".
Dr. Martin

Apesar das leituras profundas sobre a psicologia humana, abordando a respeito da natureza caótica que rege os pensamentos, desejos e atitudes, para mim ainda é terrivelmente complicado colocar em palavras o quão apequenados são os problemas das pessoas que me cercam. O conhecimento que eles possuem a respeito deles mesmo é primário, e chega a ser engraçado de certa forma, mas há um desespero que paira em suas mentes e em seus pensamentos. Eles dizem precisar de minha ajuda e eu os ajudo. Eles dizem precisar ser medicados, eu o faço. Mas apesar dos meus esforços para ajudar essas pessoas, é inegável uma estranha sensação de desconforto ao vê-los se colocando em uma posição de vulnerabilidade tão desgastante. Por que eles não simplesmente se levantam e seguem suas vidas? Por que não tentam tomar o controle e consciência de suas próprias escolhas?

Talvez tamanho dilema seja difícil para se digerir, até mesmo para mim, em certa instância. Eu estou sempre tentando ajudar, mas o que acontece comigo? Essas pessoas tão pequenas, tão ridículas. Ajudá-las deveria dar a mim a sensação prazerosa de trazer paz aos seus espíritos, mas só me faz questionar o quão patéticas essas pessoas se dispõem a se sentir apenas para respirar um pouco mais aliviado.

Tempos de guerra sempre me acompanharam, mesmo depois da Alemanha nazista, aquelas lembranças me perseguem como um caçador persegue sua presa. Mas, no fundo, havia algo doce em meio aquele caos. Pessoas eram postas a prova com tudo o que tinham: o poder de suas mentes. O quão longe elas conseguiriam seguir dependendo apenas da força de vontade? O quão destrutivos poderiam ser suas mentes em meio a tanto caos e desordem? Aquele cenário estimulava minha massa cinzenta e então eu me desenvolvia cada vez mais no campo intelectual da natureza humana.

Quando estava na faculdade, meus colegas sempre me confrontaram por possuir uma visão de mundo que, ao meu ver, não era abobado quanto o de meus companheiros de estudo. Seus ideais sempre partiam de empatia, compreensão e todas as coisas que apenas amantes dos irmãos Griffin acreditariam. Meus ideais eram, e são, pautados na vida real, no sofrimento que somos compelidos a sentir a partir do primeiro momento em que usamos nossos pulmões para respirar.

Até mesmo boa parte do corpo de docentes estavam inclinados a desaprovar meus ideias, dizendo que eu era individualista, insensível e até mesmo cruel. Cruel? Vivíamos tempos horrorosos em que os nazistas simplesmente matavam pessoas por serem diferentes, e eu quem era cruel? Eu vivenciei a verdadeira crueldade, eu vi minha mãe ser abusada diante de meus olhos frágeis, minhas pernas trêmulas e uma mente barulhenta. Mas, de certa forma, tornei-me mais forte, pois a partir do momento em que minha mente não se tornou destrutiva, ela com certeza alcançou um estado aprimorado capaz superar as adversidades.

Apesar da minha inclinação sempre me levar a ser contra os alemãs, certo dia, depois do período da faculdade e após lançar alguns poucos artigos sobre a natureza caótica da mente humana, cientistas alemãs, esses que aderiram ao movimento nazista, viram em mim uma centelha de luz que os levaria para o avanço científico mais aprofundado no que diz respeito a forma como as pessoas se comportam mediante adversidades. Um teste cruel, mas intelectualmente estimulante. Talvez fosse esperado a adesão ao movimento por minha parte, e mesmo indo contra meu ideal, eu dava a eles um sentimento de que suas expectativas sobre mim eram atendidas. Cantava o hino da Alemanha todas as manhãs, deixava a bandeira do nazismo na parede de meu quarto e recitava, vez ou outra, algumas falas de Adolf. Mas, sob quatro paredes, eu vomitava tamanha sensação de desgosto por esses seres desprezíveis. Se acham superiores, mas não passam de covardes patéticos.

Em meio a todo aquele movimento antissemita, a figura de Adolf sempre me instigou. Como um ser humano, com ideais tão nocivos e potencialmente destrutivos, convenceu uma nação inteira a seguir seus passos e encarar sua figura como uma imagem a ser respeitada? Adolf parecia conhecer muito bem quem os escutava, além de possuir um olhar deveras revolucionário, se considerarmos seu poder de manipulação da massa. Apesar de alguns poucos vagabundos clamando pela liberdade e questionando sempre as autoridades, eles não tinham o mesmo poder de persuasão, logo não passavam de pobres coitados.

Minha carreira como psiquiatra se desenvolveu graças ao reconhecimento dado a mim por meio de investimentos que o regime nazista fazia em cima de minhas pesquisas. Apesar da persuasão, Adolf queria sempre melhorar, por isso sempre dava a mim a tarefa de observar e estudar o comportamento da população. Então é isso? Adolf não era um homem de poder por acaso, ele tinha uma estratégia. Ele observava, coletava e estudava seu público, assim como uma emissora de TV estuda sua audiência, mas ao invés de dar-lhes entretenimento, ele dava a eles a sensação de poder que todos almejavam. Uma nação forte e determinada a destruir qualquer um que não fosse digno da vida, uma ideia ridícula, considerando que a capacidade intelectual pouco ou nada é afetada pela etnia ou cor da pele. Ou seja, apesar de inteligente e da minha admiração por seu poder de manipulação, Adolf poderia ser retrógrado em seus ideais.

Anos mais tarde, com minha carreira em ascensão, decidi me mudar para uma pequena cidade cujo próprio governo não reconhecia como tal, sendo tratado por todos como uma pequena vila ou até mesmo como uma lenda. Mas eu precisava de novos ares e novas oportunidades, considerando o fim do nazismo e toda a perseguição que sofri por ser parte integral do regime, mudar para uma cidade que para muitos era uma lenda foi com certeza uma ideia acertada de minha parte. Foi lá que conheci um homem inteligente, porém atormentado por sua própria mente, John Bennett. Apesar de seu rosto, sua expressão e seus movimentos parecerem gritar desesperadamente por alguma ajuda, sua fala era extremamente controlada. Todos os dias em que nos encontrávamos, eu dizia coisas terríveis para ele relacionados ao nazismo, como se fossem meu próprios ideais, e ele seguia a conversa sem nem ao menos gaguejar, apesar de eu ver em seu olhar a repulsa que ele sentia por esse regime.

Infelizmente, para meu azar, Bennett decidiu revirar meu passado, acabando por descobrir os testes que fiz no regime do nazismo. Aquilo me deixou chateado, pois em uma de nossas conversas, Bennett simplesmente conseguiu uma brecha para me deixar, pelo menos por uma fração de segundos, surpreso pela sua habilidade investigativa. Tentei persuadir dizendo que eu já sabia de suas desconfianças, mas Bennett possuía palavras tão rápidas quando de uma arma. Será que ele estava aprendendo a cada encontro que tínhamos?

Bem, se eu tinha alguém inteligente me observando, estava na hora de dar a ele algum trabalho. Comecei a explorar um pouco mais seus tormentos, me tornando seu psiquiatra pessoal para que então eu tivesse acesso a todo o seu histórico pessoal e potenciais eventos traumáticos. Eu o levei, levantei, movi e fiz de tudo com a mente de Bennett como se fosse um brinquedo de montar. Mas, para a minha infelicidade, as coisas saíram do controle e John não suportou meus testes. Ele estava prestes a tirar a própria vida, tomando a caixa inteira dos remédios que eu recomendava a ele, mas depois do que ele me fez, eu não poderia deixá-lo partir de forma tão pacífica.

Mandei um de meus capangas desfigurar o rosto de John e o colocar em algumas sacolas para um descarte limpo e sem resíduos, mas ao que parece meu plano não foi como o esperado. Daniel foi meu paciente por dois longos e tortuosos anos. Enquanto eu era obrigado a observá-lo e tratá-lo, eu pensava nas coisas que Bennett poderia falar sobre mim e minhas experiências passadas. Mas apesar dos meus erros, eu estava... Não, eu estou disposto a não deixar uma ponto solta dessa vez.

O Despertar do AbismoWhere stories live. Discover now