Capítulo 10: No Limite Da Sanidade

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No meio de um noite chuvosa, observando a chuva escorregar pelo vidro da janela, sentei-me em meu canto próximo à cama, encostando as costas na parede fria, mantendo meus olhos fixos no nada enquanto as sombras dançavam ao meu redor. Minha mente era um turbilhão de vozes sussurrantes, sussurros sinistros que me atormentavam dia e noite. Desde que os sintomas começaram, sinto que algo me persegue e me observa da escuridão. Vozes surgem e sussurram dentro da minha cabeça, como se algo ratejasse dentro de mim. Algo sombrio, doentio e estranho.

É difícil dizer quando tudo começou. Talvez tenha sido naquele fatídico caso o qual eu trabalhava, que acabou levando a morte de uma pessoa inocente. Foi quando comecei a ouvir vozes indistintas murmurando em meu ouvido. No início, tentei ignorá-las, atribuindo-as ao estresse ou à falta de sono. Mas as vozes persistiram, crescendo em intensidade e número, até que se tornaram uma presença constante em minha vida.

Não havia muito o que fazer. Eu era apenas um homem ridículo rodeado por vozes ridículas em um quarto ridículo e sonhando sonhos ridículos. Não sei ao certo a razão de não ter tirado minha própria vida, talvez eu tivesse colocado uma bala em meu crânio caso a chance fosse a mim concedida, mas não... Sou um homem ridículo com medo de perder essa vida ridícula que possuo.

As alucinações vieram em seguida, sombras que se contorciam nas paredes, figuras distorcidas que espreitavam nos cantos de meus olhos. Tentei racionalizar, dizer a mim mesmo que eram apenas truques da luz ou produtos de minha imaginação superativa. Uma tremenda perda de tempo para um homem entregue à sua própria loucura. Novamente, não havia nada a ser feito. Mas por que eu tentaria algo? Sem a mínima chance de melhora, deitar-me em minha cama e esperar a escuridão me engolir por inteiro parecia uma ideia pertinente, apesar de igualmente ridícula. Que ridículo, que existência estranha. Meu Deus, o que eu faço?

À medida que os sintomas se agravavam, a linha entre realidade e fantasia tornava-se cada vez mais tênue. Comecei a experimentar delírios paranóicos, convencido de que estava sendo perseguido por forças sinistras que tentavam arrastar-me para as sombras.Tentei esconder minha imagem ridícula e apequenada de todos ao meu redor, mas meus amigos e familiares começaram a notar. Tornei-me recluso, evitando o contato com o mundo exterior e mergulhando cada vez mais fundo em minha própria mente ridícula. Aliás, quem gostaria de trocar algumas palavras com um ser tão patético quanto eu? O que mais eu acrescentaria a vida de meus familiares se sou um estorvo até mesmo para meu próprio espelho?

Foi então que conheci o Dr. Martin, um psiquiatra renomado que prometia alívio para os tormentos de minha mente. Desesperado por uma solução para minhas aflições, concordei em me submeter a tratamentos experimentais, na esperança de encontrar uma cura para minha condição debilitante. Talvez fosse uma parte de mim que estivesse procurando por alguma questão a ser investigada, mas comecei a notar comportamentos estranhos vindo de Dr. Martin. Em seu consultório haviam alguns símbolos estranhos remetendo a Alemanha Nazista, e apesar de ir contra meus ideais, eu precisava aguentar firme para saber até onde ele levaria.

Mas o que descobri foi muito além de minhas piores expectativas. Os experimentos do Dr. Martin me levaram por um caminho obscuro e perigoso, expondo-me a experiências que desafiavam minha sanidade e me mergulhavam ainda mais fundo na escuridão de minha própria mente atormentada.

Fingir ser adepto a essa ideologia tão terrível fez-me encarar minha própria existência como algo ridículo, minha face não era mais reconhecida por mim mesmo, e eu sentia estar me perdendo dentro de minha própria mente patética. O espelho já não refletia um rosto familiar, pois naquela altura, meu próprio espelho me odiava mais do que eu a mim mesmo. Maldita imagem ridícula essa refletida em meu espelho, patética, patética, patética.

Sentia-me em um relacionamento perturbador ao lado de Dr. Martin, como se eu fosse uma mera existência sem sentido para seus ideais nojentos e destrutivos. Talvez nunca haveria uma amizade entre nós, mesmo em ocasiões menos extremas como essa, pois novamente, quem gostaria de perder tempo com alguém como eu? Não espero que as pobres almas que sofreram nas mãos desse ideal nazista me perdoem, pois sinto minhas mãos sujas de sangue sem nem ao menos ter vivido aquela época.

Agora, enquanto me debruço sobre meu passado tumultuado, noto que apesar dos dizeres amigáveis de meus familiares, ainda assim não passo de um homem ridículo. Um homem louco e ridículo. As sombras me cercam, os sussurros se intensificam e me vejo cada vez mais perdido em um labirinto de loucura e desespero. Mesmo diante de um mundo onde muitos ao meu redor insistem para que saia de casa e viva minha vida, não havia vida alguma a ser vivida. Era natural sentir-me compelido a desistir de tudo, talvez fosse mais fácil assim. Essas vozes, essas alucinações... Por que? Seria alguma punição divina por meus erros no passado? Talvez fosse minha culpa daquela pessoa inocente morrer, e então essa é minha punição? A essa altura já não importa mais, minha carne e minha alma sentem o ódio que o universo certamente tem por mim, esse ser ridículo, e tudo o que posso fazer é aguentar firme.

- O que você está lendo? - Elena e eu estávamos no hotel de beira de estrada que encontramos poucos quilômetros depois de andarmos de carro. O quarto era pequeno, mas confortável. Não tínhamos o luxo de exigimos mais do que isso. Ela estava sentada ao lado da jena fechada por uma cortina grossa, pois tínhamos medo de sermos avistados ou até mesmo atingidos por alguém.

- Parece que John Bennett sofria de esquizofrenia. - Ela respondeu a minha pergunta, mas seus olhos pareciam atravessar meu corpo, como se eu não estivesse lá. - Desculpe, eu... Não sei mais o que pensar dessa pessoa. - Com os dedos polegar e indicativo, Elena esfregava os olhos.

- Como assim?

- Ele demonstrou se sentir culpado por fingir ser adepto do idealismo de Dr. Martin. Além de também sentir um verdadeiro ódio por ele mesmo. - Ela fazia diversas pausas para refletir sobre o que estava dizendo, e contemplava as coisas ao redor como se seu olhar estivesse perdido. - Ele estava sofrendo, perdido de si mesmo. Meu Deus, Daniel, por que eu disse aquelas coisas? - Elena colocou as mãos em sua testa. Sua respiração estava ficando pesada e seus olhos arregalados marejaram a medida que parecia perder o controle.

- Você fez o que muitos fariam. Quem consegue ter simpatia por alguém que possui ideais tão nojentos como essa? Eu sei que ele poderia estar sofrendo, eu acredito em você. Mas não é fácil enxergarmos todos os lados da história. - Ajoelhei-me na frente dela, encarando-a em seus olhos claros, refletindo a pouca luz que entrava no quarto através das lágrimas que escorriam em seu rosto.

- É... Pode ser. - Com os documentos em suas mãos, Elena os colocou do lado da cama, e então virou seu olhar para mim. Inclinando-se em minha direção, nossos rostos se encontraram, e eu pude enxergar um brilho em seus olhos. - Obrigada, Daniel. Por tudo.

Elena colocou seus braços sobre meus ombros, e nosso corpos se tocaram em um abraço prolongado. Um calor percorreu por todo o meu corpo, e então senti que havia encontrado algo de especial, muito além daquilo que um dia imaginei encontrar um dia.

- Eu te amo. - Aquelas palavras saíram de minha boca tão subitamente que mal notei quando elas foram ditas por mim.

- Eu também.

Senti os braços de Elena me apertarem com mais força. Então é assim que nos sentimos quando somos importantes para alguém?

O Despertar do AbismoWhere stories live. Discover now