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Foram dez dias de incansáveis buscas por voluntários ao projeto de Mia e Nick, de preferência que não cobrassem absurdos por um trabalho de faculdade, ou que não fossem pessoas completamente odiáveis. Então Mia teve que ceder para a segunda opção.

Era preciso que começassem a trabalhar o mais rápido possível, deviam produzir uma coleção de seis peças, fotografar e fazer da forma mais artística (e didática) possível uma explicação para o conceito geral da produção. Aquilo, além de render uma boa nota, podia abrir portas quando exposto em um evento que ocorreria no campus muito em breve.

Já tinham algumas coisas em mente, como referências da cultura punk, o álbum Erotica da Madonna e talvez até alguns toques do horror no cinema de 1980, como O Iluminado de Stanley Kubrick. Pensavam em algo que fosse selvagem, sem preocupações com a elegância.

Nick e Mia formavam uma boa dupla, não era a primeira vez que fariam um projeto juntos desde o início do curso, mas definitivamente era o primeiro deste porte e importância.

Se conheciam desde o ensino médio, mas não eram amigos na época, estavam mais para conhecidos que se encontram no corredor e dão pequenos sorrisos simpáticos, apenas isso. Ela vivia uma fase complexa e que seus pais chamavam de "Rebelde", as amarras da boa garota em que ela fora envolvida desde que sua mãe havia descoberto a sonhada gestação de uma menina, pareciam se tornarem cada vez mais apertadas.

Como em todo bom caso de famílias supostamente perfeitas, as cordas explodiram, a garota também e ali se instaurou uma guerra entre ela e a mãe. Essa guerra nunca acabou de fato, mas estava em uma espécie de sessar fogo desde que a primeira e única filha dos Huang alugou um kitnet com a herança da falecida tia e foi morar do outro lado de Los Angeles, aos dezenove anos.

Foi aos vinte que entrou na universidade e reencontrou Nicolas Sturniolo, ele havia mudado absurdamente ao mesmo tempo que era completamente igual a anos antes. Ele sempre foi um ano mais novo, o que também dificultou um pouco para uma aproximação na escola, mas agora era indiferente.

Estavam na mesma turma desde então, faziam a maior partes das cadeiras juntos e ela até buscou pela primeira vez sobre o canal no Youtube com ele e seus irmãos. Também foi assim que, de maneira inevitável, Mia se viu de frente com Christopher outra vez.

E ele tinha a mesma cara convencida de antigamente.

Eles sempre foram ótimos brigando. Chris zombava os óculos quadrados dela, Mia dizia que ele tinha um cabelo ridículo. Chris vencia alguma olimpíada trivial de história ou inglês, Mia ganhava de matemática e física, apenas para poder esfregar em sua cara. Chris lhe dava tapinhas na cabeça por sua altura, Mia colocava seu pé na frente dele para que caísse no corredor. Chris dizia que ela tinha o carisma de um sapo com lepra, Mia dizia que ele era mais burro do que qualquer cachorro, porque pelo menos Border Collies aprendem truques.

Era difícil definir aquilo enquanto bullying, porque ambos não abaixavam a cabeça um para o outro, mas também nunca tinham coragem de partir para algo que prejudicasse diretamente o outro. Nunca perdiam a oportunidade de competir na mesma medida que nunca passavam dos limites instaurados, como uma chamada de atenção pelos professores.

Mas em todos aqueles anos de pegadinhas e implicâncias mútuas, ele havia passado totalmente dos limites, na última semana de aula, do último ano da escola.

Mia Huang nunca esqueceu da manhã em que saiu para a escola na chuva, depois de descer do carro da mãe em meio a avenida engarrafada, por conta de uma discussão. Quando chegou no prédio, depois de uma visita ao banheiro e a inútil tentativa de secar o corpo com papel higiênico, ela caminhou até seu armário, para começar a esvazia-lo antes do fim das aulas. Entretanto, ao destrava-lo, viu um bilhete cor de rosa voando para o meio de seus pés, cobertos com os tênis molhados.

Os eventos daquela sexta-feira, principalmente os seguintes ao surgimento do bilhete, deixaram uma ferida aberta na garota e, por mais que tentasse ser madura e esquecer, era impossível não sentir uma ponta de mágoa. E essa mágoa era canalizada em raiva toda vez que Christopher, agora no curso de música, passava por ela como se absolutamente nada houvesse acontecido.

E então, de forma repentina, ela precisaria ver aquele sorriso idiota, daquela boca idiota, com aqueles olhos idiotas e aquela face idiota nas fotos de um projeto tão importante. Era idiotice demais para o gosto dela, mas não havia outra saída.

Nick marcou uma reunião na cafeteria mais frequentada do campus, no primeiro horário da tarde, depois do almoço mas antes que as aulas daquele período iniciassem. Seria um encontro para tornar as coisas mais "formais", explicar aos garotos a ideia e estabelecer novas datas.

Ele até havia pensado em marcar isso em sua casa, porque estava sempre com os irmãos de qualquer forma, mas já podia imaginar a reação nada boa da garota com a ideia.

Mia foi a primeira a chegar e agradeceu aos céus quando, cinco minutos depois, foi Matthew quem surgiu. Usava um moletom verde musgo, com um bordado temático da turma de psicologia. Abriu um sorriso largo para ela, a abraçando.

- É bom te ver, Mia. - Disse simpático. - Você mudou tanto.

- Se falar da época do cabelo azul, vou jogar café na sua cara. - Ela riu ao avisa-lo.

- Estou quieto. - Levantou as mãos em rendição.

Ela gostava de Matt, era um garoto quieto mas gentil, tinha um humor excêntrico que Mia adorava. Também nunca tiveram tanto contato na escola, mas ela se lembra de estar na enfermaria depois de uma bolada no estômago em uma partida de queimada e vê-lo sentado no banco ao lado, com uma gaze enrolada no nariz sangrento. O Sturniolo do meio disse que achava o cabelo azul dela legal e comentou sobre o bottom da banda The 1975, que Mia usava em seu macacão naquele dia. Conversaram pouco, mas depois daquela vez ele também sempre dava o pequeno sorriso simpático de "estranhos que não são tão estranhos, mas também não são amigos" quando se trombavam nos corredores.

Aqueles devaneios nostálgicos viraram pós quando um riso debochado surgiu em suas costas, causando um arrepio na espinha.

- Uau, Kick Buttowski! Como vai? - Christopher falou zombeteiro, parado atrás dela.

Mia precisou de muito autocontrole para não socá-lo na boca por aquele apelido ridículo do ensino médio. No lugar, ela se levantou e ficou a menos de um centímetro de distância, seu rosto bateria pouco a cima do peito dele. Os olhos escuros e profundos fitavam os azuis do outro.

- Você ainda tem esse cabelo patético e esse nariz gigante, igualzinho a porra do Garibaldo da Vila Sésamo. - Ela sorriu com raiva para ele. - E eu vou bem, obrigada.

- Certo crianças, separando. - Nick se meteu no meio, afastando Christopher que já enchia a boca para outra piada. - Vamos sentar e conversar como adultos, ou pelo menos fingir que somos.

Eles se sentaram, Matt deu uma cotovelada no irmão mais novo por ainda estar rindo daquilo, pedindo que ele levasse a sério. Nick tirou um fichário perfeitamente organizado de dentro da mochila, mostrando algumas imagens para os dois.

Mas entre uma explicação e outra, Mia sempre podia sentir os olhos de Chris a cercando, como se esperasse a oportunidade para tira-la do sério outra vez.

E ele estava sempre lá sorrindo, como o bom canalha que era.

model | chris sturnioloWhere stories live. Discover now