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A voz agora gritava tão alto que a música lá fora não era mais ouvida. Essa voz não era da minha cabeça, era de Marques, podia ver olhos cheios de lágrimas enquanto via seu dedo desmembrado. Uma sensação de alívio corria em minha veia, assim como uma facilidade estranha que me faz sorrir diante da cena.

Finalmente, deixo a sala descendo as escadas. Ao atravessar a rua fora da boate, meu celular vibra, na tela o nome do meu pai brilhava. "Oi?" Atendo colocando o aparelho no ouvido.

(O que você fez? Porra, Olívia, o que tem na cabeça? Você é louca, vou te matar! - A voz rouca soa tão alta que preciso abaixar mais o volume do aparelho. Pelo visto, meu pai já ficou sabendo do que eu tinha feito.

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Hoje em dia...

Na época, eu não sabia que alguém como Marques podia fazer minha família sumir em um piscar de olhos, mas não sei como, mas ainda estamos vivos. Hoje em dia, Marques ainda pode me comer no jantar, porém, já faz tanto tempo, né? Seu dedo não vai crescer novamente, mas sei que são mágoas passadas.

Ao passar pela porta principal da mansão, alguns homens me cercam e logo posso avistar meu pai descer os degraus. Seu rosto não transmitia nem uma emoção. "Chegou cedo." Foi o que pude ouvir sair entre seu resmungo.

"Adiei alguns compromissos." Sorrio, sabendo que ele queria me mandar de volta o mais rápido possível, ou me dopar de remédios. Sinto uma sensação de que meu pai sente medo de mim. "Aposto que a casa ficou vazia sem mim, só pelo tanto de segurança que contratou." Zombo de sua cara, sei que ele fez isso por medo de morrer. Chega a ser irônico, como alguém que dorme com a morte pode ter medo dela?

"Suba para seu quarto." Suas palavras não foram para mim, foram para seus seguranças que seguram meu braço me guiando até a escada. "Não saia até que tome seus remédios."

Malditos remédios, meu pai ainda acredita que esses remédios podem fazer minha cabeça mudar. Como mandado, não faço esforço para relutar, apenas subo e me tranco no quarto, aproveito para desfazer as malas lotadas de coisas.

Passar alguns anos no Brasil me fez ver como é a vida, adorei lá, adorei como me ensinaram sobre mim. Uma mulher negra na América não é muito bem vista ainda.
As roupas que comprei eram lindas, mas inúteis no frio que aqui faz, confesso que acostumei com o calor.

As malas ficaram vazias depois de uns minutos, estavam dobradas sobre a cama. Estava me sentindo presa e com fome, coloco uma roupa mais confortável saindo do quarto. Alguns dos homens me barram com suas mãos, podia sentir uma raiva crescendo, mas logo subo meu olhar ao dos dois homens. "Se me tocar ou me impedir, vou garantir que não vejam mais suas famílias." Falo baixo com um sorriso simpático.

As mãos me soltam e posso ouvi-las cochichar algo no microfone na blusa. Podia ouvir também uma conversa nada saudável ecoar pela casa, minha corrente desprendia-se do meu pescoço, chamando minha atenção para o chão pouco iluminado, a corrente sumiu em meio à escuridão. Sem que perceba os passos, um corpo quase colide com o meu, fazendo-me recuar alguns passos pelo susto. "Tentando me matar?" A voz grossa, cheia de sotaque, soa logo atrás de mim quando meu corpo é imobilizado. Não podia ver o rosto, mas ele não era familiar.

"Abaixem as armas! E você a solta, agora! Não estou tentando te matar, seu mierda." Meu pai grita com a voz falha. Sabia que seu desespero não era para que esse homem me matasse, era por medo de que eu fizesse algo, esse homem é alguém perigoso.

"Filho da puta." Sussurro em português um dos palavrões mais satisfatórios que eu havia aprendido. Como recompensa, sua mão aperta ainda mais meu braço e a outra sobe em meu pescoço. Suas palavras são tão ríspidas que parecem facas.

"Repete, puta" ele diz.

"Eu disse que você é um burro do caralho." Repito em inglês com dificuldade por conta do seu aperto em meu pescoço. Quando puxou minha cabeça para trás, pude ver seus olhos azuis brilharem e um sorriso branco surgir no canto de sua boca.

Sou jogada no chão tão rápido que só percebo quando me choco com o chão. Sua última palavra foi um aviso para meu pai, que respirava aliviado ao vê-lo cruzar a porta.

"Desgraçada, você só causa confusão! ..." Ele tosse. "Vou te mandar de volta para o Brasil no primeiro voo!" Vê-lo tão bravo fez meu achismo sobre o homem ser confirmado. Ele não era qualquer um. Meu pai continua reclamando, mas não ouço, estou focada em saber sobre ele. "Ele vai te matar, e eu não vou impedir." Sua última frase é dita quando sua mão segura meu cabelo. Aquele perfume horrível misturado com cigarro e álcool me causa enjoo quando o sinto.

VITMA 22Where stories live. Discover now