Capítulo 9

18 4 6
                                    

Capítulo 9

Entrei na mansão pela porta da frente deixando rastro de sujeira e sangue por onde passava. Estavam todos na sala de estar: meu pai, Paul, Gabrielle, Albert e Samuel. Seus olhares ao me verem eram de total terror, seus olhos petrificados ao enxergarem o que eu trazia em minhas mãos. A pequena caveira continha manchas de terra e sangue de minhas mãos, mas estava intacta, ajoelhei-me em frente a todos atônitos ao me observar e depositei-a virada para eles, bem em minha frente. Senti meus lábios formarem um sorriso.

- Olhe para o seu filho! Você o matou enquanto ele ainda estava dentro de mim! Acha que pode viver como se nada tivesse acontecido? ESTÁ ENGANADO!

Acordei em um sobressalto com a luz da claridade da janela em meus olhos, o pesadelo da noite passada parecia real demais. Esfreguei meus olhos e percebi que eu não estava no meu quarto, estava na mansão Kramer, sem dúvida, mas não no aposento que pertencia a mim e à Lily. A cama de solteiro e uma mesa de cabeceira eram as únicas coisas dentro do pequeno quarto em que eu me encontrava e a única janela me mostrava que a neve havia coberto boa parte do terreno lá embaixo.

Senti minhas mãos e pés arderem ao tentar levantar da cama com lençóis brancos tão manchados de respingos de sangue quanto o vestido da noite passada que ainda estava em meu corpo, me dirigi até a porta apenas para perceber que ela estava trancada por fora. Manquei de volta para cama sentindo muita dor nas feridas nas solas de meus pés, fechei os olhos ao deitar no colchão tentando recordar a noite anterior mas minha cabeça doía imensamente, só queria dormir novamente e descobrir que as dores eram apenas parte de outro pesadelo. Foi então que ouvi a fechadura da porta destravar para dar passagem ao homem loiro de olhos azuis carregando uma maleta: Albert.

Levantei e fiquei sentada na cama rapidamente, seu olhar desconfiado me dizia que algo estava muito errado e que não era somente nosso desentendimento da noite anterior.

- Emily? Você está me ouvindo?

Achei até engraçado, como não estaria?

- Como não estaria? – levantei uma sobrancelha.

Ele pareceu relaxar o corpo como se um peso tivesse saído de suas costas. Sentou-se aos pés da cama e abriu sua maleta retirando ataduras e um vidro com líquido que eu não identifiquei o que era.

- Eu vim fazer curativos em você, não é bom ficar com essas feridas abertas. – disse se aproximando e hesitando em pegar uma das minhas mãos para limpar os ferimentos com aquele líquido estranho. Vendo seu desconforto ao tentar me tocar, apenas estendi a mão enquanto ele molhava um pedaço de pano limpo com o tal medicamento antes de delicadamente encostar nas feridas de minha mão direita. Enquanto ele fazia seu trabalho eu me concentrava para não gemer de dor pela ardência que aquilo estava me causando, então resolvi falar para me distrair.

- O que aconteceu na noite passada para eu estar com essas feridas? – questionei com sinceridade, mas ao ouvir minhas palavras ele parou subitamente.

- Você não sabe?! – o azul de seus olhos pareceu ficar enegrecido com um misto de incredulidade e raiva. Raiva? O que eu havia feito?

- Se eu soubesse não estaria te perguntando! Acordei cheia de cortes e trancafiada nesse quarto, é óbvio que eu devo ter tido algum pesado maluco na noite passada para vocês terem me trancado! O que eu fiz?!

- Me poupe das suas encenações, Emily! Você sabe muito bem o que fez na noite passada! Eu não sei exatamente o que a Olívia te falou, mas tenho certeza de que você junto com aquele idiota do Samuel resolveram criar a pior cena possível para tentar me punir! – ele cuspia as palavras ao falar e se antes eu tinha dúvidas sobre sua raiva, agora eu tinha certeza.

- Do que você está falando, Albert?! – eu comecei a chorar, senti desespero e medo do que eu possa ter feito na noite anterior, mas a única certeza que eu tinha era de que a teoria de meu irmão estava errada.

- Não tenho mais paciência pra isso! Vou deixar aqui os curativos e você mesma termina. ESPERO QUE A DOR QUE VOCÊ ESTÁ SENTINDO TENHA VALIDO A PENA PARA ME PUNIR DAQUELA FORMA!

E dizendo isso aos gritos, ele saiu porta a fora.

Chorei enquanto terminava de fazer curativos em meus pés, eles eram os piores e ardiam terrivelmente. Eu não estava entendendo nada ao mesmo tempo em que me senti abandonada naquele quarto. Minutos depois duas moças que trabalham na mansão trouxeram roupas limpas e uma bacia com água morna para que eu limpasse o restante da sujeira que havia adquiro em meu corpo na noite passada. Elas apenas me cumprimentaram e depois não trocaram mais nenhuma palavra enquanto me ajudavam. Isso não era incomum, pois eu sabia que tinham medo de mim, mas senti uma tensão maior desta vez. Nesse meio tempo pensei no que Albert havia dito sobre mim e Samuel e então senti uma necessidade desesperada de falar com meu primo, sem dúvidas ele saberia me dizer com sinceridade o que estava acontecendo.

Assim que fiquei sozinha, Gabrielle passou pela porta com um olhar imponente e indignado lançado a mim.

- Seu pai está extremamente decepcionado e preocupado com a cena que você fez ontem! Mas você não me engana mais, Emily! Enquanto eu estiver nesta casa você não perambula mais por aí durante a noite e essa porta ficará trancada! Aproveite enquanto seu pai ainda insiste que você fique livre durante o dia porque mais uma de suas encenações dramáticas e assustadoras eu vou garantir que ele te tranque logo em um hospital! Nem pense em falar alguma coisa para Lily e fique o mais longe dela possível! Não quero mais você perto da minha filha e principalmente não quero vocês no mesmo quarto!

Antes que eu falasse qualquer coisa ela saiu do quarto em passos firmes e fervendo de raiva. Meu Deus, o que eu fiz?! Será que todos virão me humilhar sem que eu ao menos saiba o que eu de fato fiz?! Enquanto eu secava as lágrimas que teimavam em escorrer pelo meu rosto e pescoço, toquei a corrente prateada com a medalhinha de proteção. Eu precisava falar com Samuel, ele certamente me daria respostas.

Esperei o corredor ficar silencioso e abri um pequeno pedaço de minha porta destravada, observei o andar em que me encontrava para me localizar na mansão. Os retratos de família na parede lateral me indicavam que eu estava no segundo piso, ótimo, eu sabia que os quartos de hóspedes ficavam para a ala norte da casa naquele mesmo andar. Andei sorrateiramente com os pés descalços, a dor tornava impossível encaixar qualquer sapato neles. Depois de alguns minutos caminhando pelo andar silencioso encontrei o corredor que eu procurava, o problema era que teria que tentar todas as quatro portas para descobrir onde eram os aposentos de Samuel. A primeira estava entreaberta e eu pude espiar para dentro de um quarto com móveis organizados, porém vazio. Quando tentei a segunda ela estava trancada, então me dirigi até a terceira mas fui surpreendida com a segunda porta sendo aberta e revelando o homem de cabelos negros bagunçados e olhos castanhos extremamente cansados. Samuel parecia péssimo e quando me viu ficou paralisado, me olhou de cima a baixo como se eu fosse um fantasma.

Seu olhar de estranheza sob mim fez com que um desespero subisse ao meu peito. Será que nem ele iria me ouvir? Meus olhos se encheram de água e eu já não sabia se havia feito a coisa certa ao vir procurá-lo. Porém um barulho de passos no corredor nos tirou do transe de incerteza e Samuel me puxou pelo braço para que eu entrasse pela porta antes que alguém nos visse. Ele fechou e trancou a porta quase ao mesmo tempo em que coloquei ambos os pés para dentro do aposento e me abraçou apertado.

- Por favor, me diga que você é a Emily!

- Sou eu! Por favor, me ajuda e me diz o que eu fiz! 

Mansão KramerOnde histórias criam vida. Descubra agora