Capítulo IX

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Amélia ligou-me para sairmos. Fomos aos Armazéns do Chiado como sempre. Estava empolgada, estava apaixonada. Eu também estava, mas já não sentia o mesmo entusiasmo. Algo faltava. Tentava perceber o que se passava comigo enquanto ela me contava sobre Filipe. Tentei perceber porque não sentia aquela alegria sem qualquer preocupação. Para mim foi sempre alegria misturada com dor. Havia sempre um 'mas' ou um 'senão'. Haveria realmente um amor cheio unicamente de alegria, nem que seja apenas numa fase inicial? Ou será que senti e já não me lembrava? Talvez fosse isso.

Ela tinha-o conhecido através de um grupo de amigos. Acabaram sozinhos numa saída na qual os seus próprios amigos disseram que não podiam ir na última hora. Filipe foi simpático e, no fim, ficou feliz com a situação, segundo ela. Já se conheciam há anos, afinal saíam sempre juntos noutras saídas entre amigos, mas nunca tinham falado sozinhos.

- Como não tinha reparado na sua voz rouca? Adoro vozes roucas e graves! - quase gritou de entusiasmo e não consegui evitar sorrir. Era bom vê-la assim.

- Que bom! Fico tão feliz por ti! - respondi sinceramente e ela olhou-me com uns olhos penetrantes.

- E tu e o David? Como vai tudo?

Não consegui pensar no que lhe devia dizer. Como explicar o que não consigo entender? Ela aproximou-se de mim ainda mais desconfiada e disse:

- Hummm! Ou não estão bem, ou foram longe de mais e estás toda tímida por isso - concluiu como se tivesse transformado em Sherlock Holmes.

Não consegui controlar-me e desatei a rir. Só mesmo a Amélia para me fazer rir.

- Nada disso. Apenas... - suspirei - pensei que era mais do que isto... Ou talvez apenas queira mais... Sentir-me mais segura nesta relação...

- Ele já disse que gostava de ti ou que estão a namorar?

- Não diretamente. Ele apenas me diz que gosta de estar comigo. Isso quer dizer que ele gosta de mim, não é? - perguntei esperançosa.

Amélia, no entanto, entortou os lábios, desviou o olhar e não disse mais nada. Não sei como interpretar o gesto, mas não me pareceu auspicioso.

- Mas como eu ia a contar, o Filipe disse que queria sair outra vez - Amélia continuou como se não tivesse deixado o meu coração a contorcer-se de dúvida. Será que ela pensou que entendi a sua expressão ou não quer dizer nada para não estragar ainda mais as coisas? Tinha a pergunta na ponta da língua, mas faltava-me coragem para a dizer.

- Vocês estão a namorar? - perguntei

- Não, achas? Ainda mal nos conhecemos! Mas gostei muito dele, isso é certo e acho que ele também gostou de mim - Amélia inspirou o ar como quem se lembra de qualquer coisa desagradável e abanou a cabeça. Suspeitei logo que haveria algo mais que ela precisava contar.

- O que foi? Ele fez algo que não gostaste?

Ela abanou a cabeça outra vez.

- Foi o empregado do bar, ele teve umas atitudes estranhas enquanto estávamos lá e... no fim, avisou para ter cuidado com Filipe. É estranho, não achas?

- Qual foi o bar a que foram? - perguntei porque também costumava sair com a Amélia por vezes a um bar aqui perto.

- Ao que vamos sempre, ao bar Sonhos Líquidos.

- Aquele empregado que nos atende sempre?

- Sim, esse mesmo!

- Já te disse que ele tem um fraco por ti, não foi?

- Disseste, mas ele nunca fez nada, nem me perguntou o nome! O máximo que fez foi dar umas piadas enquanto nos servia, e é só quando vamos lá as duas, quando vou com o grupo nem sequer olha para mim. Acho que ele só reparou na minha beleza porque estava acompanhada de outro homem! - Amélia fez um gesto de vaidade como estivesse a gozar, mas sei que, no fundo, ela sabe que é bonita.

Amar ou Ser Amada? (Rascunho)Where stories live. Discover now