Capítulo X - David

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Narrado por David

Assim que acordei, vi o telemóvel. Nada. Mais um dia que nada. Este silêncio sufoca, como se o vazio tivesse mãos e apertasse a minha garganta. Nem mesmo a Linda, que parece estar apaixonada por mim, não me liga, nem me envia mensagens espontaneamente. Ela parece sempre tão interessada em sair comigo, no entanto, não me diz nada. Será que já nem consigo perceber estas coisas? Ou será que ela também está a jogar comigo? A verdade é que o amor é um jogo. Ultimamente, quem perde sou eu. Sou sempre eu a pedir atenção. A pedir amor como um mendigo a pedir dinheiro na rua. Estou farto disto, mas não consigo parar. Que raiva!

Arranjo-me enquanto vejo as coisas de Laura por todo o apartamento. A escova de dentes, o champô, os vestidos no armário... O vazio que ausência dela traz. Como uma pessoa pode encaixar tão bem comigo, mas recusar-se a ver que sou a sua melhor escolha? Nem sequer peço que ela me ame, com o tempo, o amor vai chegar. Tenho a certeza.

Isto para nem pensar na Linda que tinha outro homem em casa, será que ela também anda brincar para ver qual fica com ela? Deve ser por isso que não me diz nada, nunca. A cara dele é de quem sabe o que quer, quer a Linda, mas se eles têm algo ela ocultou e ele deixou, portanto, ninguém pode tirar o meu lugar. Posso estar a perder o jogo, mas as cartas ainda não foram todas lançadas. Pelo menos, ela devia ter mais cuidado, não me deixar ver que ela tem outro. Se perder outra vez, vou ter de arranjar outra pessoa... Estou farto de perder. Só quero alguém aqui, sempre. Nem acho que esteja a pedir muito. Talvez o meu maior pedido é que esse alguém seja a Laura.

Chego ao trabalho e lá está Laura cheia de sorrisos para o chefe, sejam falsos ou verdadeiros, são sempre lindos e aquecem o meu coração. No entanto, quando olha para mim, vira-me a cara como se eu tivesse feito algo errado. Será que ela me viu com a Linda ontem no local onde começámos a namorar? Espero que sim. Sorrio, apesar do seu desprezo. Ciúmes são sempre um bom sinal. Como dizem, no amor e na guerra vale tudo. E vou fazer tudo, até conseguir o teu amor Laura. Não importa quanto tempo ou quantos ciúmes precises, não importa quantas pessoas use.

Pensando bem, ainda bem que vi a Linda ontem com aquele homem. Sinto-me mais leve, afinal não sou o único a usar esta relação, ela também está. No fim, somos iguais. Quem sabe nós não ficamos com quem amamos enquanto isso porque não ficarmos juntos? Damo-nos bem e tudo. Só tenho de a fazer mandar mais mensagens. Querer saber mais de mim. Todos gostamos de carinho, não é? Não a entendo, ela parece tão mais interessada em mim do que eu estou por ela!

Chego à minha mesa e já tenho uma pilha de documentos que alguém despejou para eu tratar. Nada diferente, sempre a mesma rotina, sempre o mesmo vazio. Apesar disso, o trabalho é simples o suficiente para não me ocupar a cabeça quando saio do escritório e isso é a melhor parte dele. Não consigo sentir-me realizado com este trabalho, mas também não consigo encontrar nenhum outro que goste mais.

Entreguei-me ao trabalho até que o meu telemóvel tocou a anunciar a pausa das onze horas. Finalmente, pausa! Era hora de ligar à Linda. Sempre me impedia de conviver com os outros colegas e com a Laura. Não que me importasse até queria muito falar com ela, mas acabava sempre por dizer algo que não devia e o meu chefe já me avisou sobre o que isso causava no ambiente de trabalho. Ela sabe que falo diariamente com a minha namorada e mesmo vendo-nos juntos no restaurante, e espero que noutros sítios que costumávamos ir juntos também, ela não reage. Essa indiferença rasga-me por dentro. Sou assim tão pouco importante para ela? Começo a sentir que não sou importante para ninguém ultimamente...

Tento esquecer os meus sentimentos para não os revelar, nem na minha expressão. Esta pausa serve para me animar e não deprimir. Para deprimir tinha os formulários para fazer e os dados para inserir e analisar até amanhã. Ouço o telemóvel a chamar, ela raramente atendia antes do terceiro toque. Atendeu e parecia feliz por me ouvir. A batalha ainda não estava perdida para aquele Henrique. Ia tentar até ao fim ou até encontrar outra pessoa. Combinámos sair no final do dia e por isso fiquei melhor, mais animado. A Linda teve que desligar antes da minha pausa acabar, estava numa reunião de trabalho, por isso, pensei em voltar mais cedo para enfrentar o trabalho e tentar acabar tudo antes da hora de saída. Ter algo para fazer no final do dia sempre me animava a trabalhar e fazer tudo melhor.

Quando estava a caminho de volta para o escritório, o meu caminho foi bloqueado por Laura, que olhou para mim como um gato olha para uma lata de atum. Ainda há pouco, virou-me a cara e agora olha para mim assim. Brinca com o meu coração como fosse uma bola nas garras de um gato. O pior é que devo gostar para estar assim preso a ela, só de a ver o meu corpo fica irrequieto.

Fiz o melhor para me manter impassível, se bem que por dentro o meu coração gritava de felicidade. Estive à espera deste momento. No entanto, não podia facilitar-lhe a vida, ainda estava magoado.

- David, eu sei que provavelmente estás ainda zangado comigo, mas podíamos voltar a ser amigos?

- Claro, para mim sempre foste minha amiga apesar daquilo que me fizeste... O que se passou agora? Ele já não te quer?

Ela abriu os olhos surpreendida. Sei que ela está a pensar como sei o que se passa. Ela não tem noção como sei tão bem como ela funciona. Sei mesmo. Cada gesto, cada olhar e cada palavra dela está gravada em mim como fosse uma tatuagem que não preciso de ver para saber cada detalhe, sinto-a em mim. Ela é como eu, posso ir ao pior de mim por amor, assim como posso dar o meu melhor por amor. O amor gere a minha vida e faço tudo para ter amor ou para ter quem amo ao meu lado.

- Não é isso... Apenas senti falta das nossas conversas... - ela desviou o olhar e tentou de disfarçar, apesar do tempo que levou a responder já disse tudo.

- Claro. Somos bons amigos. Não vamos deixar o final da nossa relação estragar isso, não é? - falei, mas com alguma raiva na voz, não é fácil controlar o que sinto.

Anuiu e fez sinal para entrarmos. Entrei, mas apesar da raiva, a alegria começou a sorrir-me como a luz do Sol ao amanhecer, primeiro vemos a cor do céu a mudar e só muito depois a estrela que nos dá luz. Ia esperar que ela viesse ter comigo. Ela viria ter comigo muito em breve, sabia disso como sei que a Terra é redonda.

Há medida que a tarde avançava menos vontade tinha de estar com a Linda. Estava ansioso pela chamada, mensagem ou até mesmo que Laura viesse lá a casa. Só conseguia pensar nisso. Como ela ia reparar que todas as coisas dela estavam no mesmo lugar. Que o seu espaço nunca tinha sido ocupado. Como os seus olhos brilhariam a olhar-me. No entanto, ficaria só a pensar nisso e muito mais ansioso se fosse para casa e ainda acabaria a ligar para Laura. Isso estragaria tudo. Não, era melhor mesmo ir ter com a Linda.

Resignado e cada vez mais irritado pela ansiedade da espera, fui para casa e preparei-me para sair outra vez. A minha cabeça estava só a imaginar o que teria acontecido com Laura e aquele marmanjo com quem ela estava. O que ele lhe teria feito? Outra parte de mim, estava magoado por ela não vir por escolha própria de não me escolher a mim em vez dele. Depois de tanto tempo juntos, conhecermo-nos tão bem, esperava que ela visse por si mesma que sou a sua melhor opção. Por que ela não conseguia gostar de mim e só de quem a tratava mal?

Estava tão fixado nesses pensamentos que só quando toquei a campainha da Linda é que me lembrei que não fazia ideia onde a levar ou onde queria ir com ela. Só sabia onde queria ir, sem ela.

 Só sabia onde queria ir, sem ela

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Queridos leitores!

Grata por lerem este capítulo! O próximo capítulo vai ser publicado no dia 2 de março de 2024.

Um abraço com carinho,

MS

Amar ou Ser Amada? (Rascunho)Where stories live. Discover now