Capítulo IV

47 14 25
                                    


Fiquei tanto tempo a olhar para o loiro que ele deu conta de que estava ali e que a carteira deveria ser minha. Ele avançou na minha direção e cada passo que ele dava, mais o meu coração se agitava, primeiro pareceu que desceu para minha barriga, mas quando ele chegou perto de mim, tinha a impressão que estava a gritar na minha garganta. Tanto que nem consegui ouvir os meus pensamentos.

Ele ficou a examinar as minhas feições com mais atenção enquanto eu reparava nas dele. Pele perfeita, como era possível nem ter um ponto negro sequer? Os olhos com a escuridão da noite, estavam castanhos enquanto o cabelo continuava despenteado. Os lábios e a ponta do nariz estavam ligeiramente rosados. Devia estar com frio e mesmo assim ficou ali à minha espera?

- Olá – disse um pouco tímido – penso que esta carteira é sua... - mostrou-me a carteira. Agarrei-a rapidamente e agradeci enquanto ele olhava para mim e sorria. Pedi-lhe para me tratar por tu. Era estranho o tratamento distante quando o meu coração palpitava por ele.

- Eu moro a dois prédios de distância – apontou para o prédio – e como já é a segunda vez que nos encontramos, pode ser o destino a indicar-nos alguma coisa.... Qual é o teu nome?

- Deolinda, mas podes tratar por Linda, e o teu? - na minha mente só se repetia «ele lembra-se de mim!» nem consegui pensar no que o resto da frase queria dizer, que era ainda mais incrível...

- David. Podemos trocar de número? - dei o meu número com a sensação que tinha entrado numa roleta russa num parque diversões. Só que esta estava na velocidade máxima. O meu estômago começou a tremer, seria medo ou felicidade?

- Claro – dei o meu número e apesar de esperar que ele enviasse mensagem, ele não enviou.

O resultado foi que passei a noite quase toda em branco e o pouco que dormi, entre as quatro às sete, foi com sonhos atribulados e acordei assustada e a primeira coisa que vi foi o telemóvel ainda sem mensagens. Tinha reunião com Henrique logo às nove da manhã e arrastei-me para a editora como um caracol se demora em dias de chuva.

Henrique parecia um homem feito numa fábrica, como ele não tinha um vinco no seu fato? Além disso, eu nunca vi técnicos de marketing a usar fato todos os dias, geralmente eles vestem-se pior do que eu nos meus dias após noites a escrever. Será que ele tem um negócio à parte de fatos? Talvez, seja da família ou apenas ele gosta de provar a todo o mundo como os homens ficam bem de fato. É quase como as mulheres vestissem vestidos vermelhos diariamente, impossível não notar, não é?

- Vamos falar aqui num cronograma de trabalho porque temos muito para fazer e pouco tempo, não é? - ele começou assim que me sentei. Não estava com muito humor para falar, por isso apenas assenti.

Ele começou a perguntar quantos dias precisava para refazer e torná-lo menos relacionado com a queridinha. Idealmente dez dias e ele cortou logo para cinco e que posteriormente a equipa de revisão faria o resto. Se ele queria-me acordar, deu certo. Dez dias já era pouco tempo, cinco dias.... Perguntou-me quais as redes sociais que tinha, se tinha alguma vez entrado nalgum vídeo do Youtube, Facebook, grupos de leitura, se tinha ido a apresentações de livros ou a grupos de escritores. Fiquei tão atordoada. No momento, só tinha uma conta, mas era só para ver imagens de viagens e coisas do género. A minha conta principal, eliminei quando fui roubada em mais de duzentos euros por um namorado, quer dizer ex-namorado meu. Apesar de ele nunca ter admitido em público que namorávamos. A minha estupidez em estar sempre a cair nestas situações é mais uma das razões por que não consigo gostar de mim. Quase como a queridinha...

- Só tem cinquenta seguidores? Como é possível? Afinal, segue mais de mil pessoas!

- Passo muito tempo sem ir...

- Mesmo assim!

- Não tenho muitas publicações...

- Temos que ver isso e rápido. Além disso, podemos nos tratar por tu? Nós no marketing tratamos todas as pessoas por tu.

- Tudo bem – Henrique era tão apaixonado pelo seu trabalho que até me intimidava e o fato não ajudava.

Concordei tudo com ele, apesar de não acreditar naquele cronograma e pensava que era tudo impossível. Impossível cumprir o cronograma, impossível ter mais seguidores, impossível publicar um livro no meu nome e o mais impossível de tudo: vender o meu livro. Não tinha sido capaz de dizer que não e agora tinha de pelo menos tentar. Apesar de ainda estar indecisa, estranha e confusa. Continuava a querer fugir daquela situação, mas sem coragem para parar ou me decidir a perder dinheiro com isso. No entanto, era o que ia acontecer mais cedo ou mais tarde.

- Hoje, ficamos por aqui, Linda. Queria já começar a explicar-te algumas coisas sobre marketing. Principalmente, para aumentar os teus seguidores nas redes sociais, mas ficas com a missão de te inscreveres em, pelo menos, três redes sociais! - sorriu de canto – existem muitas pessoas que gostavam de te seguir após ler o teu trabalho, tenho a certeza!

Fiquei com a sensação de que ele leu o meu livro. Que sensação estranha, parece que fiquei nua por três segundos e depois voltei ao normal. A arte realmente revela tanto de nós, mas não conseguimos controlar a nossa vontade de a fazer e a repetir uma e outra vez. No entanto, foi a primeira vez que alguém me olhou assim. Misto de admiração com algo mais que não consigo descrever. Que estranho!

- Leu-leste o meu livro? - perguntei, mas por alguma razão, não queria ouvir a resposta. Já estava dito e agora não havia mais nada a fazer.

- Claro, está maravilhoso, que mensagem forte se bem... - ele olhou para outro lado, e eu fiquei a sofrer naquela pausa como se tivesse um rato a roer o meu estômago, ele ia se embora, mas ao ver que eu ainda estava a olhar para ele terminou a pensar que me tranquilizava, mas não – está muito bom, esquece.

Ah! Se as pessoas soubessem o quanto nos fazem sofrer com estas conversas! E agora estou eu a pensar naquilo que ia dizer e a perguntar-me se quero ou não ouvir e saberei aguentar a resposta. Sim, porque é sempre duro enfrentar estas questões. Quando o livro é dos outros, temos de aceitar (se bem que me custou tanto das primeiras vezes!), mas quando é nosso, nós é que temos de decidir! E é tão difícil ter a certeza que escrevemos bem, que dizemos a coisa certa. Que passamos a mensagem certa, o sentimento certo! Existem certos ou errados na arte? Não. Mas a minha mente quer tudo perfeito e agora só consigo pensar no erro ou erros que o livro possa ter.

Torturei-me a caminho de casa quando estava mesmo a chegar, ouço o meu telemóvel, não com uma mensagem, mas uma chamada de David! É isso, a minha vida virou uma roda gigante sem controlo nem direção e eu não consigo fazer nada para pará-la. O pior é que nem sei se quero pará-la.

- Bom dia, Linda, o que estás a fazer? - perguntou David como fosse o melhor momento do dia dele e sem querer fui contagiada pelo seu humor.

- Estou a chegar a casa – disse a sorrir.

- A chegar a casa a esta hora?

- Sim, tive uma reunião e agora vou trabalhar. Trabalho em casa. Sou escritora.

- Uau! Escritora?! - notei uma alteração na voz dele, ele não esperava que eu tivesse um trabalho assim – será que estarei à altura de uma escritora? Eu sou apenas um assistente administrativo numa empresa de vinhos...

- Claro, eu também sou só uma escritora-fantasma... - arrependi-me de dizer, agora que vou publicar o meu livro, não sei se posso falar nisto. Não irá comprometer as pessoas que trabalharam comigo antes? Para David certamente que não, mas anotei mentalmente para perguntar a Henrique na próxima reunião.

- Ah! Assim fico mais descansado! - ele riu-se. Continuamos a falar mais um pouco e depois a pausa dele terminou e ele voltou para o trabalho e eu fui para o meu, que precisava de terminar com urgência.

Amar ou Ser Amada? (Rascunho)Onde histórias criam vida. Descubra agora