Yisa, que até então estava encostada na mesa com os braços cruzados, ergueu as mãos em rendição.
— Ok, eu vou falar logo: isso é bizarro demais pra ignorar — ela disse. — Uma outra filha? Isso faz zero sentido. A Grace morreu. Tipo, morreu MESMO.
— Pois é — eu cuspi. — Então me explica, por favor, como É QUE OUTRA FILHA DELA EXISTE.
Liz mordeu o lábio, inquieta.
— Você tem certeza absoluta que o Rai'uk não entendeu errado? Às vezes esses Omatikaya...
— Ele não entendeu errado — cortei. — Ele sabia. Soube o tempo todo. E nunca me contou.
Valentim respirou fundo.
— Maeve, isso que você está sentindo é normal — ele disse, devagar. — Descobrir algo assim... mexe com qualquer um. Mas você não precisa se agarrar à pior interpretação possível.
— A pior? — ri sem humor. — A pior é a mais óbvia. Grace me deixou. Ela deixou eu nascer, me largou ou seja lá o que fez e depois teve outra. Outra que alguém ficou. Outra que alguém criou...
Minha voz falhou. Raiva subiu rápido demais. Liz se aproximou um passo.
— Maeve... ninguém aqui acha que você foi largada porque tinha algo de errado com você. Pelo amor de Eywa...
— Não usa Eywa comigo — rosnei, sem pensar. — Não agora.
Ela ergueu as mãos, mas continuou.
— Talvez... talvez a Kiri não tenha sido criada por escolha — ela disse, hesitante. — Talvez tenha sido acidente, sei lá. Um milagre. Um erro. Qualquer coisa. Ninguém sabe.
— Mas ela ficou com alguém — respondi, engolindo seco. — Ela tem mãe. Tem irmãos. Ela teve tudo que eu nunca tive. Ela teve vida.
Meu coração batia tão rápido que parecia socar minhas costelas.
Valentim finalmente se aproximou mais um pouco, mas devagar.
— Maeve — ele disse num tom tão baixo que quase doeu. — Você não sabe o que aconteceu ali. Você não sabe se Grace sequer teve escolha. E mesmo se teve... isso não muda o que você é. Não muda quem você se tornou. Não muda o que nós fizemos por você aqui.
Algo dentro de mim vibrou.
Raiva, porque aquilo parecia reconfortante.
Raiva, porque parecia verdade.
Raiva, porque eu ODEIO a Grace.
E, no fundo, eu queria odiar tudo isso também.
— Eu não quero nada dela — falei firme. — Nada. Eu não quero família. Eu não quero laço. Eu não quero história. Eu não quero ela. Ela morreu. Pra mim, ela sempre esteve morta.
— Então por que isso te atingiu tanto? — ele perguntou.
Eu congelei.
Ele sempre sabia onde cutucar.
Mas, dessa vez, Yisa cortou antes que eu respondesse.
— Porque é injusto, Valentim — ela disse, com a voz surpreendentemente firme. — Ela cresceu ouvindo que a Grace a abandonou. E agora descobre que havia outra criança. Isso mexe, sim. Até comigo mexeria.
Liz concordou, ainda abraçando os braços.
— E ela acabou de descobrir isso com um Na'vi antes de descobrir aqui — ela complementou. — Isso deixa tudo pior.
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PUPPET GAME ' NETEYAM SULLY
FanfictionJOGO DE MARIONETES | O egoísmo dos homens revela suas sombras mais obscuras. Valentim nunca enxergou Maeve como uma criança. Desde o momento em que a sequestrou ainda bebê, ela foi apenas um experimento. Uma arma em potencial. Criada entre cientista...
003. IKNIMAYA
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