EU NÃO DEVIA TER FALADO. Eu sei disso. Mas a verdade me corroeu os ossos até eu não aguentar mais. Eu precisava contar.

A sala estava silenciosa quando eu entrei. Valentim analisava relatórios, Yisa mexia em algum dispositivo, Liz encarava a tela com cara de tédio. Tudo normal, até abrir a minha boca.

— Pai... eu preciso te falar uma coisa. — minha voz soou mais firme do que eu me senti.

Valentim ergueu o olhar. Eu respirei fundo. Estômago em nó.

— A Kiri... ela é filha da Grace.

O silêncio caiu tão pesado que parecia sufocar o ar.

O rosto de Valentim se fechou. Yisa arregalou os olhos. Liz soltou o ar num suspiro cortado.

— Maeve... — Valentim finalmente falou, com uma calma que nunca era calma de verdade. — Quem disse isso pra você?

Eu engoli o ar como se fosse quebrar.

— O Lo'ak. Mas depois eu confirmei. Com o Rai'uk. — minha voz tremia, mas eu não recuei. — É verdade. Ela é filha da Grace... também.

O olhar dele mudou.

— Maeve... — ele se levantou devagar, apoiando as mãos na mesa. — Você passou duas semana entre eles, convivendo, respirando a mesma ilusão mística deles. Eu te avisei sobre isso. Eu te avisei pra não deixar que te contaminassem com as histórias deles.

— Não é história. — senti o calor subir no meu rosto. — É FATO.

Ele expirou profundamente, como se eu fosse uma criança difícil.

— Querida... — ele disse, e aquilo me feriu mais que qualquer grito — Grace não deixou outra filha. Não existe "verdade" além daquela que eu te dei. Você sabe disso. Você sabe melhor do que isso.

Liz se aproximou um pouco, hesitante.

— Maeve... talvez a gente devesse conversar com calma sobre isso dep...

— Não. — Valentim cortou. — Eu quero ouvir a Maeve. Ela está claramente confusa.

Confusa.

— Eu não estou confusa. — eu sibilei. — Ela é minha irmã. A Kiri é minha irmã. E isso muda tudo.

— Muda o quê? — Valentim deu um passo na minha direção. — O seu plano? A sua missão? Ou... — seu olhar suavizou — o que você sente por eles?

Eu senti meu estômago virar.

— Eu não... — comecei, mas minha voz quebrou.

— Maeve — ele se agachou na minha frente, olhando nos meus olhos — você é minha filha. Minha. Eu te criei. Eu te dei vida quando ninguém mais quis. Grace não é nada além de um acidente genético. Uma falha. Uma pessoa que te abandonou porque nunca te amou o suficiente pra ficar.

O golpe bateu exatamente no lugar onde sempre batia.

Eu senti as unhas cravarem nas minhas próprias palmas.

— Se Grace deixou outra criança — ele continuou — isso só prova o que eu sempre disse: ela era incompetente. Irresponsável. Uma ameaça. Toda criatura que veio dela nasceu marcada pelo erro. Incluindo você... se eu não tivesse te encontrado.

Foi demais.

— Eu não sou um erro. — minha voz saiu trincada.

— Não. — ele respondeu imediatamente, como se a ideia o ferisse. — Você não é. Porque eu fiz você ser mais. Eu te dei propósito, direção, futuro.

PUPPET GAME ' NETEYAM SULLYDonde viven las historias. Descúbrelo ahora