- Ele veio.

Os olhos de Mariella se arregalaram. Ela não precisou fazer as perguntas. A mãe esclareceu tudo para ela.

- Eu vi ele no cemitério. Ficou longe da gente. Eu pensei em falar com ele, mas quando a cerimônia terminou seu avô já tinha ido embora.

Naquele momento as luzes se acenderam e os eletrodomésticos voltaram a fazer barulho. Alonso começou a dar gritinhos quando a TV voltou à vida e a mãe apertou o braço de Mari com carinho antes de se levantar e voltar a corrigir as provas. O assunto morreu simples assim, a deixando ainda com mil perguntas.

Agora, oito anos depois, lá estava ela, em um trem que tinha acabado de partir de Milão rumo à província de Bréscia. Mariella nunca pensou que voltaria para a Itália. Pelo menos não naquelas circunstâncias.

O avô que parecia desprezá-la desde o momento que nasceu tinha deixado toda a sua herança para os netos, e Mari se perguntava se ele tinha feito aquilo porque queria ou se a lei o obrigava a deixar tudo que tinha para os seus descendentes diretos.

Provavelmente, a segunda opção.

Mas por que aquilo importava, afinal de contas? Ela tinha herdado o dinheiro e o castelo de todo jeito. Fim de papo.

- Alonso, você pode sentar direito no banco? - Mariella pediu. O irmão estava com as pernas sob o corpo e as duas mãos pregadas no vidro da janela. Ele olhava a paisagem com os olhos arregalados.

- Não dá. Eu preciso ver tudo.

- Você pode ver tudo com a bunda colada no banco.

- Não posso, não.

Mariella revirou os olhos e suspirou. Desde que havia deixado o Brasil horas antes, o irmão não tinha pregado os olhos por um segundo. Nem no avião, nem no táxi que os levaram até a estação e nem agora no trem. Ele estava ligado no 220.

- Eu também não quero perder nada - Vitória disse do seu assento na frente deles. Ela observava a paisagem com o nariz grudado no vidro. - Olha que lugar lindo!

- Não é tão lindo quanto você, Vi - o irmão disse daquele jeito apaixonado, encarando a amiga com um olhar sonhador. Mariella teve que revirar os olhos outra vez.

Alonso tinha uma queda por Vitória desde sempre. Aos olhos dele, a amiga era uma princesa, uma fada ou qualquer outra criatura perfeita saída de um mundo encantado. Ele parecia cem por cento convencido de que Vi esperaria ele ter mais idade para, segundo ele, "entregar seu coração".

- Sai fora, tampinha - Vitória brincou, mas nada que ela dissesse poderia quebrar o encanto de Alonso, que idolatrava o chão que ela pisava. - Vai olhar a paisagem, vai.

Mari, que estava exausta de arrastar malas, andar de um lado para o outro e lidar com uma criança de doze anos de energia infinita, nem tinha dado muita atenção para a paisagem do lado de fora. Mas, naquele momento, ela se permitiu relaxar e ficou observando as extensões de colinas verdes, lagos e vinhedos do interior da Lombardia. Ao longe, ela via os Alpes italianos em toda a sua glória, os picos salpicados de neve.

Caramba, ela estava mesmo ali. Tinha conseguido, por algum milagre, arranjar sua mudança para a Itália com o irmão e a melhor amiga em um tempo ridiculamente curto, deixando o Rio de Janeiro e sua vida no Brasil para trás.

E agora aquele trem a estava levando para um castelo. O seu castelo. Onde ela ia morar.

A viagem de trem levou uma hora. Quando chegaram à cidade de Bréscia, Mariella observou encantada os edifícios históricos e as casinhas de paredes coloridas. A partir dali, os três pegaram um ônibus que os levariam para o interior da província e consequentemente para Montefiori, onde encontrariam o Sr. Cipolla pessoalmente pela primeira vez.

Um castelo de presenteWhere stories live. Discover now