Apocalipse

1 0 0
                                    

Meu nome é Enrico, um nome dado por meus pais de uma família profundamente religiosa. Desde cedo, desenvolvi um amor pela palavra escrita e uma sede insaciável por conhecimento. Enquanto minha juventude estava destinada a servir à igreja, minha paixão pela ciência e pela religião criou um enigma em minha alma. Foi essa dualidade que me levou a ser um padre e fundar minha própria igreja, um lugar onde congregavam aqueles que compartilhavam minha visão única da religião, onde a ciência era uma expressão da grandiosidade de Deus.

Minha jornada começa em uma manhã comovente, em que eu palestrava sobre os Quatro Cavaleiros do Apocalipse e a volta do Senhor. As palavras fluíam como um rio, e as pessoas na igreja estavam ansiosas por entender o significado oculto dos eventos que se desenrolavam diante de nós. Naquela manhã, o céu se tingiu de vermelho, como se as páginas do Apocalipse ganhassem vida diante de nossos olhos. Um clarão ofuscante nos fez acreditar que era a manifestação de Deus em toda a Sua glória. Ajoelhamo-nos em adoração, prontos para cumprir sua vontade. No entanto, quando nossos olhos se abriram, não era a divindade que contemplávamos, mas sim uma espécie de nuvem vermelho-sangue, que se erguia no horizonte como uma tempestade macabra.

Com o coração cheio de medo e o céu despejando cinzas como lágrimas divinas, eu e meus fieis corremos para outras igrejas, na tentativa de achar explicações e refúgio. No entanto, tudo o que encontrei foi ruína e desolação. Decidimos todos em ir embora, se reunir com nossas famílias e aguardar o apocalipse bíblico, mas ao chegar próximo de minha casa, notei que a mesma estava reduzida a escombros, como se Deus tivesse retirado sua proteção de minha vida. Questionei-me, perguntando onde havia errado, quais pecados horríveis havia cometido para perder tudo, ou se isso poderia ser um teste de Deus.

Enquanto eu cambaleava pelas ruas em ruínas na busca de um abrigo, testemunhei o início da invasão dos soldados inimigos, uma força tão sinistra quanto os próprios demônios. Vestidos de preto, com rostos ocultos, avançavam implacáveis, como um enxame de sombras devorando tudo em seu caminho. Tentei decifrar sua origem, mas eles eram tão misteriosos quanto o próprio Apocalipse.

Os dias que se seguiram foram um pesadelo. A guerra se espalhava como uma peste, devorando vidas e esperanças. As pessoas lutavam por recursos escassos, cada dia testemunhando o colapso da sociedade e a ascensão do caos.

Em uma busca desesperada por suprimentos para ajudar os necessitados, me escondendo dos soldados vestidos de preto, deparei-me com uma visão amedrontadora. De início, achei que o céu estava caindo na Terra, mas era uma espécie de satélite em primeira vista. Ao me aproximar, notei ser uma cápsula com o nome "ISS" escrito nela. Os soldados correram com pressa, como se estivessem perplexos e indo reportar. No entanto, havia um refém entre eles, uma garota baixa estava deitada e imóvel no chão, parecendo ferida. Minha cabeça doía enquanto minha fé estava se esvaindo e meus batimentos aceleravam imaginando o que aconteceu.

Antes que eu pudesse ir ajudá-la, percebi que alguém estava vindo, acreditando ser um desses soldados enviados pelo demônio. Me escondi e mantive-me observando, mas tudo que chegou foi um homem pálido com uma expressão de pânico. Ele estava com um colete e uma arma, chamando por alguém enquanto caminhava em direção à ISS. Ele viu a garota, pegou em seu pulso, começando a chorar momentos depois, deitando-a reta e fazendo uma massagem cardíaca. Eu não ficaria parado observando a cena, me levantei e fui imediatamente até ele, tentando ajudar. Ele relutantemente apontou a arma para mim, gritando enquanto tentava desesperadamente salvar a garota. Quando ele percebeu que eu não era um desses monstros, aceitou minha ajuda e me deu instruções para ir até a ISS.

Enquanto ele tentava salvar a pobre garota no chão, fui até a pequena estação e a abri. Ela havia sido quase totalmente destruída, mas seu compartimento estava intacto. Pude então localizar a tripulante em seu cinto, corri até ela na esperança de que estivesse viva, mas ela estava não apenas morta, como também apresentava sinais severos de desnutrição e desidratação. A pobre mulher deve ter sofrido terrivelmente em seus últimos dias.

A tirei da ISS e a carreguei até o homem em meus braços. Ele havia parado com a massagem cardíaca e chorava com suas mãos em formato de oração próximo à garota no chão. Me aproximei com a mulher nos meus braços, e ele imediatamente se levantou, incrédulo com a situação. Disse que deveria ter deletado um telegrama desconhecido que havia recebido e nunca o estudado, que essa situação era sua culpa, que havia errado e que esse não era o resultado que queria. Ofereci conforto a ele, compartilhando as palavras da minha igreja, que todos estavam indo para um lugar melhor após a morte, que seus sofrimentos seriam recompensados infinitamente mais na vida após a morte. O homem então, apesar de continuar chorando e parecer triste, se levantou e colocou a garotinha e a mulher no carro, me agradecendo e dando um pouco de comida que tinha com ele antes de partir, deixando-me perplexo.

Enquanto os dias arrastavam-se como um funeral interminável, tornei-me um humanitário, ajudando os sobreviventes traumatizados pela guerra. Passei por corpos carbonizados, ouvi histórias de sofrimento inimaginável e testemunhei a destruição que os seres humanos eram capazes de infligir uns aos outros.

Minha fé vacilava à medida que testemunhava o abandono divino. As perguntas ecoavam em minha mente: "Como um Deus amoroso permitiria tamanho sofrimento?" e "Seriam nossos pecados tão profundos que mereceríamos tal punição?"

Um dia, em um ato de desespero, arranquei a corrente com a cruz do meu pescoço e a joguei no chão empoeirado. Declarei que os seres humanos cavaram sua própria perdição e que não poderíamos esperar um Deus para nos salvar. Era hora de assumir a responsabilidade por nossas ações e buscar a redenção por nossos próprios meios.

Enquanto eu me dedicava a ajudar os necessitados, enfrentei minha própria crise de fé. Os dias eram longos e repletos de desafios, mas em algum lugar, no âmago da minha alma, ainda ardia uma faísca de esperança. Talvez a divindade tivesse abandonado a humanidade, mas nós, como indivíduos, ainda tínhamos o poder de criar um mundo melhor.

Peguei um caderno e comecei a registrar minha jornada, registrando cada ato de compaixão e desespero. Cada página era um testemunho de nossa humanidade, para o bem e para o mal. Em um mundo devastado pela guerra e pelo sofrimento, a escrita se tornou minha única maneira de encontrar significado e manter viva a chama da esperança.

Enquanto os dias escureciam, minha fé na divindade pode ter diminuído, mas minha fé na humanidade cresceu. Acreditei que, juntos, poderíamos encontrar uma maneira de superar as trevas que nos cercavam e construir um futuro mais digno para todos.

Minha vida tornou-se uma busca constante por redenção, uma jornada em direção a um amanhecer incerto, mas repleto de possibilidades. O mundo estava em ruínas, mas a esperança estava viva, e essa era a luz que me guiava, mesmo nos momentos mais sombrios.

Enquanto eu continuava a escrever, sabia que minha história era apenas uma pequena parte de uma narrativa maior, uma narrativa de sobrevivência, compaixão e resiliência em face da adversidade. Éramos os autores de nosso destino, moldando o futuro com nossas próprias mãos, independentemente de Deus ou do Apocalipse. Em um mundo onde o passado havia desmoronado, era hora de construir um novo começo, um começo baseado na esperança, amor e redenção, não um mundo onde seguíamos um Deus ou temíamos suas punições. Era hora de sermos livres, e eu estava disposto a fazer isso acontecer.

ApocalypseWhere stories live. Discover now