CAPÍTULO X

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Naquela mesma noite os tremores cessaram, tive mais uma convulsão e depois nada mais. Finalmente estava tudo normal outra vez e meu plano estava de volta a ativa.

Kotta insistiu para que eu permanecesse na cama por mais dois dias mas garanti que já estava bem e poderia voltar as minhas tarefas, Arlen interveio e me pediu o que foi uma surpresa, ter o maior assassino de Eldar me pedindo pra ficar na cama.

- Garanto a você que estou bem - forcei um sorriso - Além do mais, vou enlouquecer se ficar mais um dia deitada sem fazer nada. Gosto de fazer meus deveres e as experiências com venenos para vocês tem me distraído bastante, obrigada.

Não acredito que agradeci esse traste.

- Se não for pedir muito, faça torta de mirtilo - meu coração se parte ainda mais ao ouvir o pedido - Tem uma caixa ao lado do fogão que já está apodrecendo, precisamos fazer algo, mirtilos são caros demais para irem para o lixo.

- Sim...

Precisei morder o lábio inferior para evitar que lágrimas escorressem, fazia tempo que não pensava em Milo, em Celestia ou em Ronan. O sonho de voltar para casa parecia cada vez mais e mais distante, como se claramente fosse impossível retornar.

Enquanto preparo a torta penso no dinheiro que estou juntando para comprar o terreno, me pergunto o motivo de juntar dinheiro para ter um chalé quando tenho um castelo esperando por mim, as coisas não estavam indo bem entre eu e Ronan mas algo me diz que era apenas uma fase ruim, agora penso em deixá-lo para sempre depois de tudo o que ele fez por mim, depois de poupar a minha vida, me dar um lar, a chance de conhecer o amor, uma amiga e um futuro. Pensando bem... o melhor realmente seria não voltar.

- Como anda suas econômias? - Arlen pergunta me pegando de surpresa.

- Estou quase lá. - Faltava muito na verdade.

- Sabe que pode conseguir o dinheiro em uma única missão não é?

- Você faz questão de me relembrar isso, e o que eu sempre digo?

- Que não vai matar inocentes - ele me imita - que nem inocentes são.

Fico em silêncio, a presença dele é assustadora. Engulo seco enquanto pego o frasco no bolso do meu avental  e o coloco em cima da pia para polvilhar sob seu pedaço de torta, não apenas uma colher mas todo o veneno para que não haja risco de falha.

- O cheiro está bom. - ele diz enquanto tiro a torta do forno.

- Sim está. - minha voz soa trêmula - Quer seu pedaço agora? Ela quentinha fica bem mais gostosa.

- Aceito se - ele faz uma pausa dando um sorriso malicioso - Você comer comigo.

"Será um prazer ver você morrer na frente dos meus olhos."

- Claro. - corto dos pedaços e coloco em pratos diferentes. No meu polvilho açúcar e no dele o veneno.

Me sento a sua frente colocando seu pedaço de torta e um talher ao lado, seu sorriso continua malicioso como se suspeitasse que havia algo de errado, mas não tem como saber, nossos pedaços estão iguais, a cor branca do veneno se iguala a cor do açúcar, é uma obra de arte.

- Me diga Talia, ainda quer voltar para Milo? - sua voz soa leve e quase amigável.

- Claro, quero voltar para o meu noivo. - como meu pedaço de torta, ele ainda não tocou em seu pedaço - Vai esfriar.

- Por que quer voltar? - penso por um instante.

- Amor.

- Amor? - Ele diz com a voz fria - O que o amor deu a você além de cicatrizes?

- Me deu esperanças.

- Esperanças essas que ele próprio destruiu.

- Não. Ele não destruiu nada. Você destruiu, você me sequestrou na calada da noite, você me marcou, você me tirou do meu noivo, do meu lar, da minha família.

- Acha que ele não está com outra na cama agora mesmo? - ele diz friamente.

- Ele é meu noivo, ele me ama.

- Ele ia matar você. Aquela estaca de gelo ia te acertar, por sorte não pegou em você, por pura sorte.

- Foi apenas uma briga... ele me ama, eu sei que ele me ama.

O silêncio saiu entre nós. Os olhos carmim de Arlen pousaram sobre a torta que ele comeu devagar e com calma, pensei que iria apreciar esse momento mas não aconteceu pois estava abalada demais para isso.

- Está uma delícia. - ele diz se levantando indo em direção a pia - lave o que sujou e volte para o seu quarto, avise os outros que a torta está pronta no caminho.

- Sim senhor. - digo baixinho.

Arlen se inclina sob a pia apoiando suas mãos de cabeça baixa.

- Você diz não ser parte da Gilda mas de certa forma é uma de nós, você não sai dessa casa, não sabe o que acontece nos arredores e em cada domínio, Ronan... - ele faz uma pausa sofrida (o veneno) - Não  está esperando por você nem nunca esteve, sempre procuro cuidar dos meus e não vou permitir que aquele idiota mimado parta o seu coração.

- Ele não faria isso. - Digo firmemente.

- Sim, ele faria. Você tem a mania idiota de confiar no que não conhece, de ver amor onde só existe controle e manipulação, a única coisa que ele fez foi se aproveitar de você. E enquanto eu viver - sua voz começa a falhar - guarde minhas palavras - ele se vira para mim, pálido e com a testa escorrendo suor - enquanto eu viver ninguém irá partir seu coração e sair ileso.

O som da queda devido ao seu desmaio faz todos correrem para a cozinha, enquanto o caos reina me sento e aprecio a cena até suas últimas palavras ficarem se repetindo em minha mente várias e várias vezes.

- Não. - grito. Todos param e olham para mim - Ele está envenenado, precisamos fazer ele vomitar - todos se entreolham - AGORA.

Todos começam a correr de um lado para o outro, estou tão arrependida pelo que fiz... meu juramento de nunca matar estava sendo quebrado, e se for verdade? Se Ronan estiver mesmo me esquecido? Preciso que Arlen viva para que eu possa descobrir a verdade.

- Ele está completamente inconsciente - Caliandra diz. - Vai ser impossível.

- Não consigo curar. - Kotta diz desesperado.

- O que foi que eu fiz? - coloco as mãos na boca - Arlen...

A BATALHA FINALOnde as histórias ganham vida. Descobre agora