Marçal

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Marçal era um jovem muito bem apessoado e atraente. Sua barba cerrada, a rouquidão natural da voz e o jeito sempre sereno no olhar davam a impressão de uma masculinidade terna e, talvez, por isso mesmo, Zuri apreciava tanto sua companhia. Ela sentia uma espécie de tesão aconchegante quando estava com ele.
Os dois se conheceram em uma balada na Zona Leste. Depois de algumas palavras e olhares trocados, decidiram que já era hora de trocar também beijos e amassos. E assim o fizeram. Uma hora depois, estavam no quarto de Marçal, tirando a roupa e se deliciando um no outro. Ele a deitou em sua cama e a penetrou, deslizando em sua vagina, como se os dois tivessem sido moldados para se juntarem. Zuri cruzou as pernas, envolvendo a cintura de Marçal, puxando-o para dentro de si, pois um certo êxtase já tomava conta de si e não queria que o prazer daquele momento acabasse. Ele, por sua vez, entendendo o pensamento daquela fêmea deliciosa, comandou um ritmo forte, mas, ao mesmo tempo, moderado, sempre trocando de posição,  até que ela, não conseguindo mais segurar, avisou em meio a um gemido alto: Vou gozar! Vou gozar! Vou… Ahhhh!!!" E gozou. Foi a vez de Marçal acelerar seus movimentos e, com um gemido apertado, gozar intensamente. Um beijo selou o final daquele round. Isto porque acordaram durante a noite para transar novamente, desta vez, com mais calma.
Apesar da noite ter sido ótima e dos dois terem gostado muito um do outro, decidiram que seria mais interessante uma relação mais aberta, onde pudessem se ver ocasionalmente, estando livres para conhecer outras pessoas. Zuri foi quem deu a ideia. Não queria mais "pertencer" a alguém. Não era mais um objeto. Marçal concordou.
Por meses tudo correu muito bem, mas as coisas haviam mudado. Marçal estava diferente. Deitada em seu colo, depois de contar toda a história do ônibus, esperava algum comentário, mas nada. "E então?", indaga. E a réplica veio na forma de uma pergunta: "E então o quê?" O tom de voz de Zuri não conseguiu esconder a surpresa: "Você não vai dizer nada sobre o que eu te contei"? E ele meio que se vendo obrigado a dizer algo: "Foda! Mas, infelizmente, acontece o tempo todo. Fazer o quê?” A surpresa, como que metamorfoseada em indignação, fez com que ela se levantasse e explodisse: "Como assim, fazer o quê? A primeira coisa a se fazer é, no mínimo, ter empatia e não tratar o que aconteceu comigo como algo banal!" Um "Não foi o que eu quis dizer" foi a tentativa de esquivar-se, mas quase sem deixá-lo concluir a frase, a resposta foi imediata: "Mas foi o que você disse!" Neste momento, com uma notável irritação na fala, Marçal proferiu: "Quer saber de uma coisa? Você está um porre! Eu te chamei pra gente beber e transar! Dar uma aliviada! E você consegue começar uma DR, porra! Quer saber? Perdi o tesão! Quando você estiver bem e a fim de se divertir me chama, mas agora me deixa sozinho que eu já fiquei com dor de cabeça!" Marçal abriu a porta e fez um sinal apontando para a rua para que Zuri saísse. "Você está me expulsando da sua casa depois de ter me convidado para vir até aqui? Isso é sério?" E ele, com a voz já calma: "Não! Estou dizendo que, nesse momento, é melhor para nós dois você ir para casa!" Ela, com um furor interno quase incontrolável, pegou sua bolsa e saiu, batendo a porta atrás de si.
Inúmeros sentimentos começaram a se misturar dentro de Zuri enquanto ela descia as escadas: ódio, frustração, tristeza, dor, confusão. Ela teve a nítida sensação de que havia voltado à condição de objeto, condição essa que o ex-marido havia lhe imposto durante toda a sua vida e que ela jurou que nunca mais aceitaria. "Dar uma aliviada?" Pensou ela furiosa. "O que ele acha que eu sou? Uma prostituta barata que ele chama lá para acabar com o estresse dele dando umazinha?" E passando da fúria à tristeza: "Será que é só para isso que eu sirvo? Será que é isso que eu sou: um depósito de esperma?"
E pensando nisso, começou a relembrar como os homens, conhecidos e desconhecidos, desde que seus seios apontaram como pequenas jabuticabas, começaram a comê-la com os olhos. Depois, ainda adolescente, tentaram estuprá-la com mãos e dedos. Tentativas de toques não consentidos em suas partes íntimas. Lembrou-se como apanhou do pai ao denunciar um amigo da família que tentou fazer sexo com ela à força. “Quem te ensinou a ser tão mentirosa assim, sua rapariga dos infernos?” Foi a resposta do pai com o cinto de couro batendo e ferindo suas pernas. Recordou-se, ainda, do vizinho por quem se encantou e que causou-lhe, a um só tempo, dor e prazer, ao tirar sua virgindade, mas que para sua mágoa e desgosto, em seguida, como todos os homens que passaram por sua vida, ao saciar-se, enchendo-a de porra, vestiu-se, virou as costas e fez que não a conhecia. Todos os homens sempre a machucavam. Não se conteve. Chorou. Neste instante, Fábio, amigo de Marçal, que morava no mesmo prédio, estava chegando e viu Zuri saindo pela portaria, em direção à rua, enxugando as lágrimas.

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