No Rio de Janeiro - Palace: Parte 3

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 Depois de dois copos a primeira viatura foi embora, logo após darem o bacolejo em alguns moleques. "Manda outra garrafa aí irmão!" Mais uma gelada e os policiais da blazer também partiram. Barra limpa.

"Aê, tu não é aquele cara da banda..."

"Sou não irmão, o pessoal diz que eu pareço mesmo; pode guardar o troco aí."

Saiu apressado em direção a rua de onde as viaturas partiram, e começou a subir a favela com uma desenvoltura de quem conhecia o local, ainda que pouco. Logo acima da entrada, em um ponto de moto táxi, dois garotos esperavam. Um estava sentado em uma cadeira de madeira segurando um rádio, o outro, com uma mochila aberta não chão, parecia ser o vapor. Ainda bem, ele pensou, não seria preciso subir muito pra conseguir o que queria. Quase chegando ao vapor, reparou que três pivetes desciam o morro e se aproximavam.

"Aê playboy! Tá ligado que eu te conheço ..."

Disse um deles para o guitarrista, que respondeu em voz baixa, temendo alguma ameaça caso parecesse descortês.

"Fala rapaziada, tudo bem?"

"Caralho, aí o playboy?! Aí Fabinho, tá ligado em quem é esse maluco aí? É o cara que toca naquela banda..."

"Caralho, é mermo. Agora que eu tô reconhecendo o maluco." Fabinho respondeu, sem de fato reconhecer o branquelo. Nunca tinha parado para ouvir rock na vida. Na verdade, detestava essa "barulheira-que-ninguém-entende-porra-nenhuma." Mas, foda-se! Fingiu que conhecia pra não parecer otário. Já o outro não se preocupava com isso.

"Que banda porra?" Disse o terceiro, sem saber direito de que se tratava o assunto.

"Fica na tua aí o vacilão. Não conhece a parada então fica quieto."

"Aê playboy, tira aquele viadinho de lá e deixa eu cantar na tua banda, vou mandar umas rima bolada..."

O guitarrista riu em pensamento. O roqueiro não passava mesmo de uma bicha surtada que agora dizia ser vampiro. O cara estava descontrolado e ele sabia que isso poderia ser a ruína da banda.

"É ele que manda na banda..." Respondeu ao garoto.

"Aí Fabinho, manda então o batidão pra ele aí... que rapidinho ele vai querer contratar nóis."

"Se liga só no batidão então playboy: Aqui é o bonde do cerol descendo pra missão/ Pode vir o BOPE e também o caveirão.../ A minha rima é enjoada estilo a do D2.../ É rima de rajada de sete meia dois. / O bonde do cerol queima os verme e os alemão/ Mas também é fechamento e fortalece os irmão..."

"Caralho aí playboy, o bagulho aqui é doido. Tá ligado né?"

"Tô ligado..." Disse o guitarrista enquanto passava ao lado dos três "...Vou falar com o empresário sobre vocês."

"Já é irmão! Fica suave." Fabinho respondeu.

Os garotos não eram burros. Marginais e traficantes sim, mas não burros. Sabiam que a sociedade possui as suas linhas demarcatórias, e que jamais teriam lugar em uma banda de rock de gringos branquelos. Mas não custava se divertir com a ideia, e eles não se importavam. O guitarrista achava o mesmo, e subiu o morro pensando que aqueles garotos talvez nem fossem chegar a idade adulta. Para ele era uma pena, certamente tinham muito mais talento do que o roqueiro, que aquela hora ainda deveria estar trancado na suíte e em suas fantasias de vampiro medieval. Olhou para a pistola na cintura do vapor, cromada, brilhando no sol, imaginou o peso que a arma teria, plenamente carregada. Nunca tinha segurado uma arma de fogo na vida, mas naquele momento, olhando para a pistola do vapor, não pode deixar de se imaginar apontando-a para a cabeça do roqueiro, e puxando o gatilho com lenta satisfação, olhando aqueles miolos sujos de sangue e psicose se espalharem pelo tapete do hotel. Seus lábios não puderam conter o sorriso, ainda que leve. Sorriso que o vapor julgou como ansiedade pela droga. O guitarrista irou do bolso algumas notas de cem. "Heroína, coca, crack. Tudo." O vapor, sem reconhecer a identidade do cliente, inspecionou as notas com atenção prolongada para se certificar de que não eram falsas, e após se dar por satisfeito, entregou o produto. O guitarrista olhou novamente para a pistola na cintura do garoto, e dessa vez ele percebeu. "Tá olhando o quê playboy, quer morrer?" E segurou a arma de forma ameaçadora. O guitarrista olhou calmamente para o garoto e perguntou "Como eu consigo uma dessas?"

Pílula de CianuretoWhere stories live. Discover now