No Rio de Janeiro - Laje: parte 1

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Céu azul profundo, claro. Distantes, pequenas nuvens brancas permanecem imóveis, indiferentes. Sol brilhante, quente. O sol observa do fundo do céu azul, impassível, como sempre é o sol do Rio de Janeiro. No alto um ponto escuro, uma pipa flutuando solitária, um barco a deriva no oceano imenso, ainda em paz, como as nuvens.

Aqui na terra como não no céu, a cidade pulsa violenta, bombeando vida e morte em suas artérias. Praias, calçadões, arranha-céus, avenidas e rodovias, morros, favelas, barracos e lajes de concreto constituem a anatomia do Rio. Anatomia que mescla e se confunde constantemente.

"Sorvete de coco, aquela lá."

"Espuma de cerveja, parece mais."

"É mermo aí, branquinha, espuma de cerveja lá no céu."

"É Deus tomando uma gelada tá ligado, aí a espuma que cai do copo dele forma as nuves."

"Viajou aí, só falta dizer que vai chover cerveja também..."

"Caralhoooo!!! Já tô vendo tudo colorido neguinho!"

"Tô falando pra tu arriá logo essa porra. Tá ligado que nós tem que parti pra missão. Porra, tá tranquilão já a parada lá embaixo já e tu ainda tá aí com essa porra..."

"Ih! Qual é neguinho?! Tô te dando  as ideia... Tá cedão ainda no bagulho irmão."

"Cedão porra nenhuma, geral já tá na atividade já cumpadi, só nóis que tá aqui de bobeira no bagulho ainda..."

"Já é já então mané. Só mais uma, se eu vuá vuei."

"Tá tranquilo então, só mais meia hora tá ligado, se não eu vou meter o pé." Disse o garoto que estava sentado à sombra da caixa d'água. Descalço e sem camisa, vestindo apenas uma bermuda jeans larga, fumando um cigarro e segurando um rádio comunicador de ponto único motorola talk about. Junto dele, no chão, estavam uma mochila, um binóculo de lentes vermelhas e uma Glock 9mm desert.

"E aí parcero, atividade lá embaixo?" Perguntou o outro garoto que estava em pé, também sem camisa; cabelos crespos e pele queimada do sol violento, vestindo uma calça jeans da redley e um tênis nike doze molas.

"Tranquilão..." Disse o que estava sentado e agora olhava pela beirada da laje com o binóculo "Tem uns verme ainda moscando lá na entrada lá da rua do seu Zé. Brotaram mais cedo lá embaixo e tão lá ainda tá ligado, na frente da padaria, duas patana azuzinha só... Mas o caverão já vazou."

"Caralho aí, tu viu o nem? O tiro arrancou o braço dele porra, sinistro. De 7,62. Foi quere trocá com os alemão sozinho... Se fudeu. A gente vazou tá ligado, o bagulho ficou doido. Já era... Mas na próxima a gente invade aquela porra!"

"Porra! Sem vento tá foda!" Disse o terceiro garoto, enquanto tentava manter a pipa no alto."

De cima da laje onde os três garotos estavam, no ponto mais alto da favela do Morro dos Macacos, era possível ter uma visão privilegiada dos milhares de barracos e construções que formavam todo o complexo, assim como de vários outros morros. Do outro lado da Linha Vermelha, uma das principais rodovias da cidade, dava pra ver a favela do Morro de São João. Favela dominada por uma das facções rivais, e que os traficantes do Morro dos Macacos tentavam invadir.  

Pílula de CianuretoOnde histórias criam vida. Descubra agora