PRÓLOGO

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Okayama, Japão. Meses antes.

Do lado de fora do meu quarto, eu podia ouvir minha mãe gritar ao telefone com alguém que talvez fosse minha tia, mas eu realmente não me importava. A música reverberava alta em seus fones de ouvido, batuquei meus dedos na perna enquanto acompanhava o ritmo da música, algumas vezes murmurando a letra da música junto ao cantor. Apoiei minha cabeça na porta enquanto encarava uma das várias caixas que estavam espalhadas pelo meu quarto, não podia evitar pensamentos que me lembrassem de quem era culpa disso tudo estar acontecendo.

Eu estava de mudança para Seul e eu ainda não entendi como aquilo poderia resolver alguma coisa em minha vida, mas aquele não era o melhor momento para tentar conversar sobre isso com minha mãe. Pensando melhor, eu desejaria que minha mãe estivesse conversando com minha tia ao telefone — e esperava que ela tivesse tentando convencer minha progenitora a não me mandar para outro país —, eu odiaria pensar na hipótese de arruinar a relação perfeita delas.

O meu maior defeito era ser impulsivo, com toda certeza, e algumas atitudes minhas não haviam agradado diretos das escolas pelas quais passei. Na primeira, no sul de Okayama, fui suspenso por beijar um garoto no vestiário enquanto matava a aula de física, além de ter discutido com o diretor sobre ser suspenso por um motivo tão pequeno quanto aquele. As consequências disso não poderiam ser piores, primeiro: meu pai saiu de casa — e isso fez com que minha mãe me culpasse —, depois, tive que aguentar minha mãe me tratando como se eu não existisse e ainda fui expulso da escola.

Depois disso tudo, estudei em uma escola no centro e a situação se repetiu. Não poderia ser pior — se eu tivesse tido algum tempo para me explicar e tudo se tornou pior quando não tive sequer tempo para "pensar em suas atitudes", tive que escutar minha genitora gritar comigo por incansáveis dez minutos — ou talvez um pouco mais que isso —, e agora estava na última situação.

Na última vez, acabei me envolvendo em uma briga e, por algum motivo que a minha cabeça ainda tentava entender, ter apanhado mais do que ter batido era um bom motivo para expulsão, segundo a diretora. Não era nem um pouco justo comigo. Ganhei roxos nas costas e no rosto, uma expulsão e agora estou sendo obrigado a me mudar. Não tinha como essa situação piorar.

Talvez o meu eu de dez anos se sentisse magoado em ver minha mãe me mandando para outro país sozinho — não tão sozinho assim porque eu tinha minha tia. Na verdade, seria um alívio não ter minha progenitora por perto me destratando na primeira oportunidade que surgisse.

Observei o meu quarto mais uma vez, ainda faltavam algumas coisas a serem guardadas nas caixas e minha energia já tinha se esgotado por completo. A música em meus fones também já tinha parado de tocar, indicando que a playlist havia chegado ao fim.

Respirei fundo tentando recuperar minhas energias e me levantei, totalmente motivado a não aborrecer mais um pouco a Sra. Nishimura, notei também que os gritos na sala já havia se dissipado. Enquanto guardava alguns livros, pude ouvir passos no corredor se aproximando do meu quarto.

Eu estava preparado para ouvir mais algumas reclamações ou o que quer que minha mãe fosse falar comigo, mais uma vez respirei fundo e agucei a minha audição, esperando pela porta ser aberta lentamente. Quando ela entrou por completo no cômodo, eu senti a minha pele queimar sob o olhar da minha mãe e podia ter certeza que ela diria algo ofensivo para mim — porque era assim que havia sido as últimas semanas nessa casa.

— Você sabe que eu queria que tudo isso fosse diferente, não é?

Acidentalmente, deixei que uma risada nasalada escapasse. Péssima escolha.

— De verdade, Ri-ki, eu queria que você fosse diferente.

Senti um nó se formar em minha garganta. Não queria deixar transparecer, mas aquelas palavras me afetaram profundamente. Me recompus e olhei-a, descrente de suas palavras, sem conseguir decifrar se ela estava se referindo à minha sexualidade ou ao meu temperamento — que, aliás, eu havia herdado dela.

Revirei os olhos e continuei arrumando minhas coisas, ignorando completamente minha mãe observando cada ação minha.

— Eu não sei onde errei com você. Sempre fiz o meu melhor para você seguir o caminho certo, mas parece que não adiantou de nada.

— Não precisa usar esse discurso antiquado para disfarçar o seu preconceito. — O tom de ironia em minha voz foi inevitável.

Uma das coisas que aprendi ao longo da minha vida foi: nunca rebata nada que Nishimura Isoko disser. E agora pude sentir o gosto amargo do arrependimento crescer dentro de mim, mas não queria deixar aquilo evidente.

— Não me desafie, Ri-ki.

A única reação que tive foi balançar a cabeça e voltar a arrumar minhas coisas, ignorando por completo a presença da mais velha no cômodo. Outra regra básica — que cometi a burrice de esquecer: nunca ignore Nishimura Isoko,

— Sabe que isso tudo é culpa sua, não é? Seu pai foi embora por sua causa, você está indo embora dessa casa por sua culpa. Se você pensasse mais nas consequências das suas escolhas, nada disso estaria acontecendo.

Eu ri em escárnio.

— Vocês dois são preconceituosos. E me mandar para longe daqui não muda o fato de que eu beijo garotos.

Minha voz saiu quase como um sussurro e talvez eu nem devesse ter dito isso em voz alta, porque eu sabia que Isoko não hesitaria em levantar a mão e me agredir. E eu queria muito estar errado nesse momento, mas não estava. Sequer tive tempo de observar de canto de olho as ações da minha mãe e prever o tapa em meu rosto.

Nos encaramos por alguns minutos, um nó se formou em minha garganta e meus olhos começaram a arder. Eu sabia que a qualquer momento ela poderia partir para agressão, mas ainda fiquei surpreso. Meu rosto ardia no local do tapa e eu só queria gritar agora.

— Eu ainda sou sua mãe e não aceito esse tipo de tratamento na minha própria casa.

Preferi ignorar e voltar a arrumar minhas coisas. Quanto mais rápido terminasse, mais rápido poderia estar longe desse lugar.

Isoko, vendo que eu não diria mais nada, saiu do meu quarto e retornou à sala, observei-a se distanciar até que sumisse por completo do meu campo de visão. Ela poderia ao menos fechar a porta, não é?, reclamei mentalmente e não evitei descontar toda a minha raiva ao fechá-la.

Se ela reclamou depois do baque, eu não ouvi.

Eu sabia desde o primeiro momento que a minha vida na Coreia não seria as mil maravilhas como havia fantasiado anteriormente, mas, vendo pelo lado bom, não teria que conviver debaixo do mesmo teto que a minha mãe por um bom tempo.

Quando terminei de arrumar minhas coisas, observei o quarto completamente vazio e sem vida, era irônico imaginar que boa parte das memórias boas da minha vida foram construídas nesse lugar e agora estava deixando tudo para trás. Eu sabia que Isoko não me levaria até o aeroporto e não fazia questão disso, mas não pude deixar de pensar que o nosso relacionamento estava abalado por algo tão pequeno.

Depois de finalmente entrar no táxi, olhei mais uma vez para tudo ao meu redor — deixei meu olhar passear pelas casas da rua e por todos os carros estacionados no meio-fio, revivendo cada memória que eu já vivi nessa vizinhança.

Podia ser uma bondade do destino me tirar desse lugar. Agradeci mentalmente à minha mãe por ser alguém tão mente fechada, finalmente eu estava dando adeus a tudo que me matava e não pude deixar de sorrir ao notar alguns olhares curiosos nas janelas das outras casas. Balancei minha cabeça com um sorriso de canto e entrei no carro.

Agora eu podia sentir que a minha vida estava começando de verdade.

CHRONOS. sunkiWhere stories live. Discover now