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O almoço ficou pronto, mas André não chegou à tempo de almoçar a comida quente. Ficamos eu e César sozinhos na casa até por volta das 17h que foi quando ele, Pixador e Santista, o cachorro, voltaram para a casa. O que eu deduzo que seja é que: normalmente a melhor forma de conservar droga, para evitar mofo ou oxidação química que a alta umidade da área de mangue produz é enterrar em tonéis, os ditos "tambores" pelos quais Kabul perguntou na noite anterior. Suponho que eles tenham passado o dia desenterrando mais tambores do esconderijo, mas não perguntarei sobre isso.

Tive a chance de mergulhar na piscina pela primeira vez, o que foi um alento apesar das folhas secas acumuladas no fundo, e depois disso pude me dedicar à me organizar, enquanto César se dedicava à dormir o que não conseguiu dormir hoje cedo. Agora eles estavam retornando, o que significava começar de novo com as perguntas e respostas, esse joguinho de gato e rato.

André voltou como sempre, seu fardamento intacto lhe fazendo parecer quatro vezes maior e mais assustador, quase um golem, e Pixador vinha caminhando cansado, com um desanimo óbvio no rosto. Pixador, apesar de violento e elétrico, era um garoto legal, um moleque que acabara de sair das fraudas, que engoliu a raiva e carrega toda a revolta do mundo no bucho, por isso destila irritação em qualquer coisa que se mexe, menos em Kabul, por quem eu deduzo que tem um certo afeto paterno.

Eu estava escrevendo na sala da casa quando os ouvi chegando, estavam falando de quantidades do que eu deduzo ser droga, mas logo se interromperam para entrar na casa. Passaram pela porta para dentro abandonando sem mais bem menos seus fuzis na mesa da cozinha.

Pixador me vê.

- E aí, cadê o outro hein loirinha? - pergunta sorridente como sempre.

- Foi descansar - digo, ainda com os olhos no caderno, acompanhando com a visão periférica a cara de surpresa que ele faz ao ver o fogão repleto de panelas.

- Bora comer a jantinha da Doutora - cantarola Pixador animado indo em direção ao fogão, ele remexe as panelas afoito e alegre. Se vira para mim com um sorrisão - Se cê for boa na cozinha nós não te deixa ir embora não viu fia -

- Poxa, vou acabar ficando. Nessa eu caprichei - brinco pela primeira vez com ele. Pixador abre os olhos e um sorriso surpreso, estranhando minha abertura, lança um olhar cúmplice para Kabul e faz cara de admiração.

Ele logo se encurva na direção da panela da carne, fungando no aroma, Kabul não diz nada e nem esboça nada, apenas cansaço.

- Tá certo chefona, cê mete essa banca de ratatuile memo? O cheiro tá bom mas quero ver na guela se desce - diz pondo a tampa de volta.

Olho para Kabul, já livre do capacete enorme e das luvas, e de cabelos soltos bagunçados. Larga o casco na mesa e puxa a cadeira para se sentar, ele não precisa pedir coisa alguma, Pixador vai até o freezer no canto da sala puxa de dentro uma garrafa d'água, leva direto para seu chefe. André abre a tampa da garrafa pet e bebe em goles longos e intensos, por fim, derrama um pouco de água na mão e esfrega contra o próprio rosto.

Eu quero falar com ele, mas não sei exatamente o que, e sua expressão corporal o faz parecer um pouco estressado.

Observo Pixador, que retorna para a panela com a comida que fiz. Ele cata a faca na bancada e remexe os pedaços de carne, espeta um e se vira, levando o enorme pedaço de bife para o pote de alumínio no chão da sala. O pittbull se agita e quase o segue, mas Kabul o impede.

- Santista... - ele adverte sem precisar levantar a voz, encarando o cachorro bastante sério. O animal congela no lugar e se senta. André olha de canto para o seu ajudante - Completa com ração pra ele também -

SANTOS, art. 33Where stories live. Discover now