capítulo três.

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Lena nasceu sendo a segunda filha, sabendo que seria somente uma sobresselente. Seu irmão, o duque de Dublin, era a verdadeira pessoa importante.
Até que um dia, Lena se tornou a primeira na linha de sucessão, se tornando a mais nova duquesa de Dublin e a princesa herdeira. No mesmo dia, ela passou a usar a máscara de porcelana no rosto. E ficou escondida aos olhos do povo, como se ela tivesse se tornado uma coisa horrenda que precisava ser escondida. Ou talvez sua mãe tivesse uma enorme culpa pelo que aconteceu com o filho e a filha, que preferia fingir que estava tudo bem do que aceitar a realidade.

...

Lena não estava procurando por ela quando as duas se encontraram no jardim da capela. Tinham acabado de lhe informar que ela havia escapado, e ela sentia um alívio e um constrangimento avassaladores – mais uma vez, a contraditória combinação de emoções.
Precisava tomar um ar.
Vinha se sentindo tão confiante… Talvez existisse alguém no mundo que se casaria com ela, que não a acharia um monstro pelo que era.
Porque era assim que Lena se sentia, às vezes, um monstro.
Então aquele criado tinha chegado e dito para Maggie que a noiva havia desaparecido, Lena baixara os olhos, que começaram a ficar úmidos após ouvir troca entre os dois…
Sua noiva descobriu de alguma forma a verdade, então decidiu fugir do que se casar com alguém que não era perfeita.
Só conseguia pensar em… Escapar.
Sem noiva, não havia casamento. Não precisava estar ali.
Sempre adorou o jardim da capela. Não era como estar realmente ao ar livre, onde os campos se estendiam e as árvores eram majestosas, mas era bucólico e relativamente desprovido das características de um espaço eclesiástico. Havia sebes e flores silvestres nos espaços abertos. Era o refúgio de Lena sempre que precisava de um pouco de privacidade.
Além do mais, ninguém procurava por ela ali. Uma bênção.
Então saiu para respirar ar fresco e lá estava ela, tentando escalar uma videira de glicínias.

Kara.

A princesa que em breve seria sua herdeira consorte.
Não tinha certeza antes de conversarem, mas desconfiava. Ela usava um vestido marfim de corte simples. Tinha a idade certa e se portava tal como se exigia da realeza.
Ela era linda.
Foi tudo o que ela pensou quando a viu perto do muro. Então ela falou.
E ela se perdeu para sempre.
Quando Kara falava, o mundo ganhava vida. Ela era intensa, teimosa e direta a ponto de ser desconcertante. A inteligência transformava seu belo rosto em algo incandescente. De verdade, ela não sabia que uma mulher poderia ser tão linda.
Ela era uma estrela. Um satélite. Era tudo que cintilava no firmamento, trazido à terra pela magia que a Igreja jurava não existir.
Como se explicava que algumas pessoas fossem especiais? Que conseguissem ser mais do que qualquer um? Teriam nascido sob a asa de um anjo? Seu sangue corria a uma velocidade diferente?
Desde dos quatro anos lhe disseram que ela era assim, mas Lena sabia a verdade. Ela era uma fraude, uma peça que não tinha valor. Seu irmão era perfeito, o número um. O que nasceu para governar um reino, enquanto Lena ficaria nos bastidores, sendo a número dois.
Até que o tiraram dela, levando consigo um irmão e um amigo, pois para os pais ela era a número dois, mas para seu irmão ela era sempre a número um e então ele morreu, salvando sua vida e fazendo dela a número um.
Um par que se tornou ímpar.
Era completamente solitário.
Foi ensinada a ser a futura rainha, era mimada e louvada por todos. Mesmo que eles nunca olhassem para o seu rosto.
A cicatriz que trazia uma história, uma decepção e uma angústia.
Lena era sempre ouvida, mas eles ouviam a futura rainha. Não ouviam Lena.
Kara era diferente. Ela poderia ter nascido com uma melancia colada na cabeça e com três braços e mesmo assim as pessoas atravessariam barricadas para escutar suas palavras. Era dona de um carisma que não se podia forçar. 
Nem ensinar.
Era simplesmente magnífica. Bem mais do que ela algum dia sonharia ser.
Não apenas pela beleza.
Ela era assustadoramente inteligente. Esse era o problema. Se fosse entediante, talvez ela se sentisse à altura de ser sua esposa.
Lena entendeu que precisava permitir que ela decidisse sozinha se queria aquele casamento. Reconheceu, de alguma forma, que seu espírito não poderia ser domado. Sim, ela poderia ordenar que ela assumisse seu lugar na capela e, sim, ela estava bem certa de que a mãe ordenara que ela assumisse seu lugar na capela, mas Lena sabia que um casamento sob coação jamais seria uma verdadeira união. Não com ela. Ela não podia ser domada. A mera tentativa seria um crime. Por isso arriscou.
Deu a ela a oportunidade de cancelar o matrimônio.
E deu a si meia hora de odiosa ansiedade.
Estava quase convencido de que ela decidiria ir em frente com o casamento. Torceu por isso, sem dúvida. Tiveram uma conversa boa, afinal.
Talvez ela não tivesse sido atingida pela flecha de Cupido tão em cheio quanto ela, mas parecia ter gostado dela o suficiente, o que, em geral, era o melhor a que se podia aspirar em um casamento real.
Mas até vê-la entrar na capela, esplendorosa num vestido marfim com capa coberta de ouro e prata, não teve certeza de que ela viria.
Cada passo dela até o altar fazia crescer a alegria dela. Observando-a ali, soube, com a mais absoluta certeza, que aquela mulher era perfeita e que aquele casamento era acertado.
Aquela união seria excelente para ela.
A irmã de Kara, a rainha Alexandra de Krypton, tomou a mão dela e a entregou à noiva.
Lena sorriu e disse:

— Trocou o vestido.
— Solicitei algo à altura de uma futura consorte — respondeu ela.

Sua consorte.
Teria jurado ouvir seu coração cantar.
Mas naquele momento, depois da cerimônia longa e solene, depois de tantas horas de conversa educada com gente cujos nomes nunca lembraria, ela sentiu algo sombrio e feio consumindo sua felicidade pelas beiradas.
Não era digna daquela criatura magnífica. E com o tempo ela saberia disso.

The Mysterious Princess | versão karlenaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora