Figuração

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Pérola

Ontem foi o momento mais mágico da minha vida. Tudo fora perfeito! Liz cuidou de mim a cada minuto. Indo devagar. Confesso que estava com medo. Mas do jeito que ela fez... foi perfeito.

Só que depois me veio à cabeça tudo o que ficaria sem. Tudo o que me faria falta. Sentiria falta do sexo... sim. Mas, principalmente do carinho, do cuidado, das conversas jogadas fora, das séries onde ela ficava me explicando como as cenas eram feitas, de dormir ao seu lado sentindo o seu cheiro e o seu calor, sabendo que ela estaria ali ao alcance dos meus dedos. Sentiria falta até do seu mau-humor matinal.

Estava morrendo de medo do meu pai descobrir a minha orientação sexual. Não apenas pelo fato de ter que sair de casa, mas principalmente, por ficar longe da minha mãe. "E se seu Pedro não deixar que ela me veja?" Medo. Antigamente tinha medo do que os outros iriam pensar. Mas hoje não. Hoje só me preocupo em ficar longe de minha mãe.

Outra coisa que me incomodava era não conseguir emprego. Enviei email para os portais onde tinham vagas em técnico de enfermagem e até agora nada. Teria que voltar para as faxinas. O que nunca foi um problema. Mas, fazer cinco dias por semana deixava a pessoa morta de cansada. Porque uma coisa era você fazer o trabalho de casa todo dia, outro era faxinar.

— Benção mamãe. - Estava na sacada admirando o lago e assistindo video aula, como todos os dias naquela hora. Liz dormia na grande cama. Era sábado de manhã cedo e sabia que mamãe estaria esperando meu pai e irmãos ficarem prontos para o culto. Conseguia até sentir o cheirinho do seu café coado na hora.

— Deus te abençõe minha filha. Como você está? Fabrício me mostrou fotos suas. Você tá tão linda Pérola. Pena que não posso mostrar para as minhas amigas da célula. Porque tenho certeza que a Juraci iria dar a língua nos dentes e teu pai ia descobrir.

— Mãe é sobre isso que queria falar com a senhora. Não quero mais ter que esconder as roupas que uso. - Mamãe ficou muda do outro lado da linha. - Quero poder usar uma calça jeans e camiseta.

— Não sei o que seu pai vai achar. Ele anda muito mal-humorado por esses dias. E tem sentido muito cansaço.

— Mamãe tem que levar ele na UBS.

— Ele foi. Disseram pra marcar cardiologista, mas só daqui a dois meses. A médica deu pra ele um remédio para a pressão. Não tinha na farmácia popular e não consegui comprar ainda. Vou ver se essa semana com as faxinas eu consigo.

— Me dá o nome mamãe que peço pra entregar ai.

— Pérola, guarde seu dinheirinho. Você já faz tanto.

— Não mamãe. Se a médica mandou, precisa tomar. A senhora me passa por mensagem que vou mandar a farmácia entregar ai hoje a tarde. Vai ter alguém em casa?

— Tem não minha filha. Hoje é dia de ir fazer a obra. Vamos com a van da igreja para Sobradinho.

— Então vou pedir pro Bricio comprar, e hoje a noite a senhora pega com ele, ok?

— Tá certo minha filha.

— Mamãe, a senhora pode vir me ver essa semana?

— Não consigo filha, Glória ao senhor, tenho faxina todos os dias.

— Então vem amanhã mãe, a senhora acompanha uma gravação. Brício vai vir também. - No próximo dia iriam precisar de vários figurantes, por isso me senti confortável em chamá-la.

— Será Pérola... O quê eu falo pro seu pai?

— Diz que vai na casa de alguma irmã da Igreja. Amanhã à tarde, por favor mamãe, tô morrendo de saudade.

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