Capítulo 8: Refúgio

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Eu vi um documentário no Discovery Channel de um homem que desafiava as maiores montanhas dos Estados Unidos

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Eu vi um documentário no Discovery Channel de um homem que desafiava as maiores montanhas dos Estados Unidos. De acordo com ele, as montanhas nevadas são lugares conhecidos por sua atmosfera serena e tranquila. A neve absorve os sons, proporcionando uma sensação de isolamento e paz. O maluco escala para se afastar dos ruídos da cidade.

Infelizmente, eu não tenho esse poder. Estou caído no chão, após levar uma bolada no rosto.Escuto a voz do Ethan me chamando, mas não quero levantar do chão. O treinador Stuart se aproxima e pede para os meus companheiros me ajudarem. Eu me sinto inútil para o time.

Preciso me concentrar mais e esquecer todos os ruídos externos. O Ethan tem sido um ruído. Um ruído gostoso, carinhoso e lindo.

Eu nunca tive um relacionamento antes. Tenho que ter cuidado para não dar bandeira, afinal, os pais homofóbicos do meu namorado podem agir e mandá-lo para o Polo Norte. Eu não posso ficar sem ele. Viciei em sua boca, corpo e companhia.

— Que susto, Robinson! — exclamou o treinador Stuart me oferecendo uma garrafa de água.

— Desculpa, treinador. Eu não quero ser uma decepção para o Senhor. — confesso, dando um gole na água.

— Que decepção, moleque. Jimmy, antes de tudo, o futebol americano é estratégia. Você percebeu coisas que eu não vi na última partida. Graças a sua expertise, eu pude mudar nossas jogadas e apostar em táticas defensivas. Você não é uma decepção, filho. — ele explica, passando a mão nos meus cabelos e chamando o Liam para me substituir no treino.

Depois do treino, eu fui para o chuveiro e aproveitei a água quentinha para me livrar dos pensamentos ruins. A voz do Ethan ainda ecoa dentro de mim. Os caras do time zoaram, mas não passou disso. Esses caras podem ser cruéis e fofoqueiros. Eu preciso preservar o Ethan e nosso relacionamento. Pego o celular para chegar a próxima aula. É geometria, eu odeio geometria.

Ao sair para o corredor dou de cara com o Ethan. Meu Deus, como pode existir alguém tão perfeito? Mesmo com seus cabelos castanhos e desgrenhados caindo sobre a sua testa. Ou os olhos de um tom profundo de azul, que estão transmitindo preocupação e ansiedade. Ele tira os seus óculos retangulares de aro fino e se aproxima.

— Você me deu um susto, garoto. — ele diz, olhando para os lados e me dando um soco leve no ombro.

— Ai. — finjo dor. — Eu só estou aquecendo, Ethan. Não se preocupe. — olho para o lado e vejo a Betty. — Ela vai ser tipo a tua sombra agora?

— É um prazer te ver, James. Tão encantador. — ela retruca, revirando os olhos. — Só certificando que nada de errado vai acontecer. Já que vocês odeiam manter os pênis dentro das calças.

— A elegância em forma de moça. — brinco e volto a atenção para o Ethan. — Tá tudo bem. Eu juro. Inclusive, estou atrasado para a aula de geometria. Te vejo depois?

— Sim. Claro. — ele confirma, colocando os óculos e sorrindo.

O Ethan fica com uma expressão tão tranquila quando sorri. Ele tem uma estrutura facial bem definida, com sobrancelhas levemente arqueadas e um queixo suavemente angulado. Eu poderia passar horas descrevendo as qualidades dele. Infelizmente, esse não é o lugar e nem o momento.

A enfermeira Nancy me chama antes da aula terminar. Ela recebeu a missão de retirar os pontos da minha cirurgia. Ela é uma mulher corpulenta e séria. Só que tem uma mão de fada. A enfermeira sempre cuidou bem de mim e nunca senti dor ou desconforto com os seus curativos.

Vou caminhando na rua e não paro de pensar no documentário sobre montanhas nevadas. O explorador explicou, que apesar da paz, as montanhas podem ser ambientes hostis e desafiadores. Existem milhares de formas de uma pessoa morrer ao subir uma montanha, como por exemplo, baixas temperaturas, a falta de oxigênio e animais selvagens.

Vale a pena toda a quietude quando precisamos enfrentar todas essas adversidades? A minha linha de raciocínio é atrapalhada pela Sra. Watanabe. Eu vou correndo ao seu encontro. Ela me convida para entrar e fico impressionado com o banquete que está sobre a mesa.

Ela decidiu inventar as noites temáticas. Hoje é a quarta-feira da comida mexicana. Temos tacos, guacamole, tortilla, chilli com carne e burrito. É alimento para um batalhão. O que seria de mim se não fosse a Sra. Watanabe?

— A gente não vai dar conta de tanta comida, Sra. W. — confesso, me sentando à mesa e decidindo o que vou atacar primeiro.

— Não vamos comer sozinhos. — ela avisa, olhando para a cozinha. — Ethan, querido, achou os copos?

— Sim. — Ethan diz. Ele sai da cozinha trazendo consigo três copos.

— Ethan! — exclamo ficando em pé e olhando em direção a minha casa.

— Relaxa, Jimmy. — ela pede e pega na minha mão. — O seu pai saiu para o trabalho. Fora que sou uma velha solitária e preciso da juventude de vocês.

— Eu, eu...

— Eu sei, querido. E tá tudo bem. Aqui é um lugar seguro. — A sra. W olha para Ethan e lhe oferece a mão. — É um lugar seguro. — pegando na mão do Ethan. — O que vocês estão fazendo não é errado. Eu sei que agora as coisas podem parecer confusas e sombrias, mas existem pessoas que estão ao lado de vocês. Eu sou uma delas.

É inevitável. Eu sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Rápido, eu uso a mão livre para limpá-la. Eu dou com os ombros e pego o primeiro burrito que vejo. Eu não tenho coragem de olhar para o Ethan, mas imagino que ele está emocionado também. A Sra. W é demais. Ela é apenas demais.

— Calma, Jimmy. É para comer e não se engasgar. Esses jogadores são sempre ogros, né? — ela questiona para Ethan, que senta à mesa e me serve um pouco de suco de laranja.

— Toma. — ele pede. — A escola não pode perder o jogador de ouro.

 — A escola não pode perder o jogador de ouro

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Eu tive a melhor noite da minha vida. Eu nem sei por onde começar. A sra. Watanabe é perfeita e uma aliada. Fiquei sabendo do seu filho, que foi vítima de homofobia. Morreu de uma forma violenta e desnecessária. Como pode, né? Ela que amava e apoiava o filho tem que viver o peso do luto. Enquanto os meus pais fazem de tudo para apagar o meu passado. Já que na visão deles, um filho gay é um filho sem futuro.


Após o jantar delicioso, o Jimmy me acompanha até perto de casa. Vamos conversando sobre nossas coisas favoritas. Eu descobri que o Jimmy adora documentários sobre a natureza e odeia sorvete de morango.

Ele é um garoto durão e tem medo de mostrar suas fragilidades. Porém, eu o vi chorando quando a Sra. Watanabe fez o discurso sobre ser uma aliada e que poderíamos encontrar refúgio em sua casa. Foi tão fofo, porém, o Jimmy deixou as coisas estranhas ao tentar engolir um burrito sem mastigar. O meu namorado é uma bagunça adorável.

— E como estão as aventuras do Capitão Spectron? — Jimmy pergunta.

— Estão aparecendo aos poucos. É meio difícil escrever sem notebook. Mas, pelo menos, eu tenho acesso ao meu celular. — tento pensar de maneira positiva.

— E seus pais?


— Tranquilos. Eu acho estranho, mas estou tendo uma certa liberdade. Acho que vou até para o passeio no Yellow Groove. — conto e Jimmy sorri.


— Vai ser legal se você for. Teremos uma semana de paz e sossego. Sem pais homofóbicos e instáveis. — o Jimmy solta e fico um pouco triste, pois não temos a Sra. Watanabe como mãe. — Ela é incrível, né? A senhora Watanabe.


— Sim. Às vezes, eu fico pensando em como seria se ela fosse a minha mãe. Quando eu era pequeno, eu brincava com o Sato. Ele era uns quatro anos mais velho, mas acho que tinha pena de mim. Ele era uma boa pessoa, Ethan. Não merecia ter morrido desse jeito. — ele conta e coloca as mãos nos bolsos do moletom, pois o frio aperta.

— Eu sinto que não merecia estar aqui. Acho que se eu pudesse trocaria de lugar com o Sato, eu....


— Ei, para com isso. Eu sei que as coisas podem parecer ruins, só que não podemos desistir. A gente vai sair das sombras um dia, Ethan. Você e eu. — ele tira a mão direita do bolso e pega no meu ombro.


— Obrigado. Obrigado por me salvar naquele dia. Eu estava tão frustrado e triste. Obrigado. — eu o abraço e começo a chorar.


— Tudo bem. Tá tudo bem, Ethan. Vamos dar um jeito. 

De alguma forma, as palavras do Jimmy me davam forças para seguir. Nas últimas semanas, eu não tinha mais episódios de pensamentos ruins. O Ethan medroso parecia uma figura distante de mim. A cada toque, abraço e beijo, eu conseguia me livrar mais de mim. Isso faz sentido? Espero que sim.

Os meus pais estavam deitados no sofá. Eles assistiam a uma pregação no YouTube. O pregador falava sobre a importância da família. Que hipocrisia. A família deve ser a base de uma pessoa e não o contrário. Eu tento passar despercebido, mas o meu pai chama por mim.

— Estava com a sua namorada? — ele pergunta, pausando a pregação e olhando na minha direção.


— Não, pai. Estava em um grupo de estudos. As provas estão chegando e...

— Filho, — a mamãe me corta, levanta e anda até mim. — quando vamos conhecer a Bettany?


— O quê?! — solto de maneira confusa.


— Precisamos conhecer a menina que fisgou o seu coração, Ethan. Estou pensando em um almoço no sábado. — diz a mamãe, pegando no meu ombro. — Vai ser uma honra receber a Bettany.


— Fudeu. — penso.

Onde as sombras acabamWhere stories live. Discover now