2 - Vozes Estranhas

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Já é hora de dormir, o relógio marca meia-noite e cinquenta e dois minutos. Pela fazenda o silêncio impera. Um cenário tão calmo assim não combina com o que está por vir. Vida e morte são interpretadas pela mesma atriz, ela apenas muda de figurino para indicar ao seu público qual será o seu próximo ato. Hoje, o personagem a ser interpretado é a morte.

A bela atriz, elegantemente vestida de vermelho, possui uma pele pálida. Seus cabelos são longos e negros, cravejados com pequenos pontos brilhantes que esvoaçam ao passar da brisa. Ela caminha calmamente a passos lentos, deliciando-se com o tic-tac do relógio, pois está convencida de que realizará os seus planos para hoje. Com os olhos fixos no futuro, e um meio sorriso satisfeito, ela se prepara para cobrir o amanhã com o seu brilhante manto vermelho, deixando-o obscuro e sombrio.

Marine e Nayane estão no quarto com a luz apagada, deitadas e conversando. Uma cena comum entre amigas de longa data. Como o esperado, Nayane conta as suas aventuras no intercâmbio, animada ela fala rapidamente quase que sem respirar. No início Marine até dá atenção, mas aos poucos a sua mente vagueia para longe de todo aquele monólogo tedioso. Finalmente, Nayane dá uma pausa e resolve fazer uma pergunta de ponto de vista. Por alguns segundos ela fica aguardando uma resposta, a qual não vem. Percebendo que está sendo ignorada, a jovem fica muito brava: "Puxa Marine! Eu tô aqui super empolgada te contando um monte de novidades e você nem aí para mim!" Com este toque Marine acorda de seus pensamentos profundos, mas ao invés de os dar por cabo, agora externa-os: "Nayane, você já sentiu que os seus pais escondem algo muito sério de você?" Por um momento Nayane faz cara de confusa, mas depois ela mostra a língua e sorri: "Que pergunta estranha..." Marine fecha os olhos e suspira: "É, eu sei que é uma pergunta meio estranha, mas... tenho a sensação de que os meus pais escondem algo muito sério. Eu tenho a sensação de que vou descobrir isso da pior forma possível... estou com medo."

Quando ela olha para o lado, Nayane já está babando em um sono profundo, deixando-a surpresa e aborrecida: "Mas essa aí não tem jeito mesmo! Quando começo a contar uma coisa importante para mim, ela dorme. Nem sei o porquê que eu ainda tento falar algo sério com ela." Marine suspira novamente. Seu coração está muito apertado, dolorido. Ela vira de um lado para o outro, insistindo em dormir. Apertando os olhos, procura um botão de desligar. Surge então em sua mente a imagem do quintal gramado, seu pai, um homem alto de cabelos crespos e pele preta, preso em pensamentos profundos. Quando Marine se aproxima e toca em seu braço, ele acorda e sorri gentilmente, mas ela percebe que em seu sorriso ele esconde uma preocupação maior do que ele mesmo. "Não entendo. Por que meu pai estava tão distante e preocupado? As sobrancelhas dele estavam enrugadas e seus olhos distantes. Às vezes ele fica assim, mas hoje em especial ele estava sombrio demais. E essa sensação ruim que não me deixa ter paz..." A jovem desiste de forçar o sono e continua a remoer memórias na tentativa de prever o que poderia ser tão preocupante a ponto de deixar seu pai aflito.

Tudo estava tranquilo quando de repente Marine ouve um barulho forte e oco de madeira sendo quebrada. Ela pula da cama com o corpo todo formigando e o coração disparado: "O que foi isso?! Será que foi a porta?"

Com olhos arregalados e a boca seca, Marine sente o seu peito apertar e doer cada vez mais. Ela começa a 'afinar' os ouvidos, tentando identificar os sons "Vozes?! De quem são essas vozes?" A primeira voz era muito conhecida por ela, era a voz tranquila de seu pai, mas outras duas vozes conflitavam. Uma voz masculina e outra feminina, as quais ela não conhecia, mas que a partir de hoje, jamais esquecerá.

Ansiosa, Marine tenta acordar Nayane tocando em seu braço: "Nayane! Acorda! Você também está ouvindo isso?" Nayane responde resmungando: "Mãe me deixa! A primeira aula vai ser só às sete. Vou dormir só mais um pouquinho."

Vendo que a amiga ia demorar para acordar, Marine age de forma enérgica. Ela puxa a coberta de Nayane com força, derrubando-a no chão. Nayane acorda assustada e se levanta aturdida: "Oi?! O que tá acontecendo?!"

Nayane abre a boca novamente, mas antes de conseguir falar algo, Marine tampa a sua boca e sussurra: "É exatamente isso que quero saber. Eu ouvi barulho de porta quebrando e agora estou escutando as vozes de duas pessoas que eu não conheço." Nayane sente os seus braços se arrepiarem de pavor: "Meu Deus, Mari! Quem será?" Marine abre lentamente a porta e segue o som das vozes que discutem. Mesmo a contragosto, Nayane segue a amiga na escuridão: "Aí Mari, eu acho melhor a gente ficar aqui. Seus pais vão resolver tudo, eles sempre dão conta de tudo." Marine encara a amiga nos olhos resoluta: "Se os meus pais estiverem em perigo, eu não vou ficar aqui sem fazer nada! E você também não! Então, vamos!"

As duas andam juntas pelo corredor escuro tremendo de medo, passam pela sala, atravessam a cozinha e chegam no quarto dos pais de Marine. Elas encontram uma cena no mínimo esquisita. Duas pessoas desconhecidas estão no quarto discutindo com os seus pais e o tom de voz soa ameaçador. Elas resolvem ficar quietas apenas observando para tentar entender.

A mulher loira segura uma arma e sorri enquanto caçoa da mãe de Marine: "E você princesa Aisha, quem diria que abandonaria o seu povo em nosso planeta natal para casar com um legionário. Por sua culpa eu perdi a minha irmã!" Zira grita e aponta a arma para Aisha.

Ao perceber que sua mãe estava sendo ameaçada, Marine entra no quarto sem pensar duas vezes: "Mãe!"

Zira se vira para Marine e a encara com uma expressão confusa: "Mãe?" que logo se desmancha em uma gargalhada de desprezo: "Então esta aqui é a sua cria? Patético!" Aisha estica o braço em direção a Marine: "Não toque nela!" O pai de Marine segura a esposa pelo braço: "Calma, amor. Se perdermos o controle será pior." Zira fica irritada e a desafia: "Ou o quê?! Você não está em condições de ameaçar ninguém!"

Keiro sorri tranquilamente e toca no ombro da companheira fugitiva: "Minha cara, vamos nos acalmar. Não perca o objetivo de nossa visita" Zira obedece e abaixa a arma. Keiro admira Marine como se ela fosse um espécime raro, afinal, ele sabe que a garota é mais que aparenta ser "Os olhos têm o formato dos da mãe, são grandes e levemente inclinados, mas o ardor neles, ah! Com certeza esse ardor é herança do pai. Os olhos azuis da jovem queimam ao ver seus pais em perigo."

Segredos devem ser revelados, pois a ignorância custa caro.

Uma Noite Fatal (Light Novel Rebelião) Livro um - Ficção Cientifica e PoliticaWhere stories live. Discover now