2 Minutos

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Hoje é meu aniversário. Belos e bem vividos 68 anos. Apesar de estar aposentada, tenho um ritual. Vou sempre ao hospital onde sempre trabalhei, rever as mesmas pessoas com quem compartilhei tantas horas da minha vida.

Berenice, a enfermeira mais antiga de lá - que também está prestes a se aposentar -, disse que me faria um bolo de presente. Preparei mais alguns docinhos e fui. Enquanto dirigia, pensava no jantar que daria em casa mais tarde. Diego estava casado e na cidade esta semana. Dave também viria, apresentando o novo namorado. O que vou cozinhar para eles? Um frango? Diego não come carne. Uma lasanha, talvez?

Cheguei ao hospital e me dirigi à sala de descanso. O pessoal estava me esperando e só não me fizeram uma surpresa pois com o susto eu poderia infartar. Mas cantaram parabéns, e eu amei.

Recebi o carinho de todos e presentes também. Ganhei muita coisa boa. Um novo enfermeiro do hospital não sabia o que estava acontecendo e para não ficar sem me dar presente, encheu uma luva descartável como se fosse bexiga, desenhou um rostinho feliz e me entregou. Fofo. Murchou em 1 minuto.

- Berê! Alisson! Por favor, precisamos de vocês aqui.

Alguém muito aflito chega na sala e sai mais rápido do que entrou. Berenice sai correndo e eu nem me espanto, pois já vivi muito desses momentos.

Sei que não devo, mas saio para ver o que aconteceu. Talvez eu possa ajudar... A maca com uma pessoa passa rápido pelo corredor e derruba a prancheta com as identificações do paciente.

Dave Rivera... O que????

Na prancheta já tem o número do quarto em que ele deveria ser levado caso conseguisse sobreviver. Não diz muito do que aconteceu... Acidente... Não se tem maiores informações ainda... Meu Deus, Dave!

Fico aguardando no lado de fora do quarto. Espero por horas. Se ele não vier... O pior aconteceu. Pego no sono, sentada no chão e com a cabeça encostada na parede.

Acordo no pulo com Berê me cutucando.

- Mulher... Pelo amor de Deus, por que está jogada no chão aqui? É seu aniversário, vai para casa. Já está quase anoitecendo...

- Berê... Perdão, a prancheta desse paciente caiu e eu acabei olhando..
Como ele está?

- Lyra, você sabe que não podemos ficar passando informações dos pacientes...

- ELE É MEU PRIMO. POR FAVOR, COMO ESTÁ?

Ela fica em choque.

- Ele está estável. Estava em cirurgia até há pouco. Não acho bom você ir no quarto agora. Ele deve descansar.

- Eu sei. Ele está com alguém aqui?

- Não. Não tem acompanhantes.

- Pois agora tem. Pode colocar meu nome, por favor.

Entro no quarto e o vejo adormecido, ainda sob efeito da anestesia. Já começo a me acomodar. Esquento uma água para fazer café e me preparo para ligar para meus filhos, remarcando o jantar para amanhã.

Após um tempo, escuto alguns gemidos e o vejo acordando aos poucos. Vou para perto de sua cama de forma calma, evitando assusta-lo.

- Dave? Me escuta? Consegue me ver?

- Ahn? Ly.. Lyra? Eu morri?

- Não. Graças a Deus não. Você está bem, está estável. Mas não sei o que aconteceu.

- Acho que me meti em um acidente. Não lembro direito... Só estava dirigindo e.. Aí! Minha boca está seca.

Dei uma água para ele e o ajudei a tomar. Ajudei-o a sentar um pouco na cama. Dave ficou me olhando.

- Lyra...

- Não fale. Você precisa de repouso.

- Eu preciso falar... Eu senti tanto por tanto tempo... Não aguento mais segurar e nem quero mais. Você foi a minha única paixão, Lyra. Amo minha esposa, mas você... Você foi a dona do meu coração por todos esses anos. Te amar foi a melhor coisa que eu poderia fazer na minha vida, Lyra. E você está aqui comigo, nos meus últimos suspiros. - Ele tosse forte. - Você... Você é doida. Eu sempre te admirei tanto.. sempre tentei ser um pouco mais como você. Lyra... Você era a tempestade e também era o arco-íris que vinha depois. Você tem um jeito tão único que eu nunca encontrei ninguém parecido. E eu procurei...

Fecho os olhos e seguro sua mão.

- Ah Dave. Fui muito feliz em toda a minha vida, mas eu sinto que seria infinitamente mais feliz com você...

Paro de falar pois sinto que a mão de Dave vai se soltando da minha. Escuto o barulho incessante da máquina e abro os olhos assustada. Você não pode me deixar assim. Começo a fazer massagem cardíaca enquanto chamo os médicos. Grito, choro, me desespero. Não me deixe Dave, eu nem tive a oportunidade de te dizer o que eu sentia... Que egoísmo o seu, só você falar. E eu? E minha declaração?

O levam de volta para a sala de cirurgia, enquanto eu rezo.

Mas não teve outro fim. Dave me deixou naquele dia, naquele momento, sem saber o quanto eu o amei, o quanto o esperei, o quanto desejei que fosse meu...

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⏰ Last updated: May 07, 2023 ⏰

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