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  N/A  leiam as notas finais.


  A vida inteira imaginei. Sonhei. Uma fotografia era tudo o que eu precisava.


      Uma história, uma jóia, uma lembrança. Qualquer coisa. Algo que me ligasse a eles, a meus pais. Algo que os tornasse reais.


      Mas eu não estava preparado para aquela foto apagada.


    Não sabia bem o que pensar. Uma estranha, não sei. Alguém que eu não reconhecia, que não conhecia. Mas ela...


   Meu coração bateu tão forte que doeu. Não havia muita luz no interior do carro, apenas os fachos rápidos dos postes em que cruzavámos, mas era o suficiente. Bastava para perceber que a mulher da foto não era uma estranha. Eu a conhecia. Já a tinha visto muitas vezes, esta mulher de longos cabelos pretos e olhos redondos e assombrados, o sorriso triste e compreensivo. De noite, quando fechava os olhos e as imagens sobressaíam, e meus pais vinham me visitar. Pensei que não passassem de sonhos, fantasias de uma infância perfeita que eu nunca tivera.


     Mas, enquanto tia Sara descia a rua Magazine, eu percebia que minha mãe sempre esteve comigo, em todos os lugares, todos os momentos.


   - Ela era bonita - sussurrei.


    As luzes de fora do carro diminuíram à medida que nos aproximávamos do condomínio de tia Sara, em Warehouse District. - Era sim.


    Percebi que o carro dobrava a esquina, mas nem levantei a cabeça. - A vovó falou... - Sem pensar, ergui as mãos para contornar o rosto de minha mãe. -Vovó falou que nao haviam fotos. - eu perguntei tantas vezes. - Disse que tinham sido destruídas.

   - Não todas.


  - Você tem outras? - perguntei, enquanto ela acionava o portão motorizado.


    - Pode ser que sim.


    Apertei a foto entre os dedos.

     E, mesmo que ainda estivéssemos em outubro, a euforia tomou conta de mim como uma criança no Natal.


    Eram os meus pais, mas eu sabia  pouco mais que seus nomes, estavam casados a menos de um ano quando me tiveram. Dois anos depois eles já estavam mortos. Vovó ficava estranha demais quando eu perguntava sobre eles.


   - Como ela era?


    O carro parou. Olhei e vi que já havíamos estacionado. O carro continuava ligado. Os faróis iluminavam uma parede feia de concreto. A meu lado o bug de minha avó estava estacionado. E tia Sara, bem, ela olhava à sua frente, cabelos pretos e sedosos deslizando sobre o seu rosto, escondendo seus olhos. Ela balançou os ombros com um suspiro.


   O tempo desacelerou. Era esquisito. Permanecemos sentados, em um silêncio sufocante, ainda que o rádio estivesse ligado. Quem visse poderia pensar que eu havia pedido para que ela revelasse um grande

segredo, em vez de responder uma simples pergunta sobre minha mãe.


   - Como você. - Disse, e seu sorriso era delicado. Gentil. Triste. - Sua mãe se parecia muito com você, Lou.


   Eu me esquivei de modo estranho. Eram palavras que deveria me alegrar. Minha mãe, esta desconhecida que, às vezes, surgia nos sombrios vestígios de meus sonhos, era mais que somente uma ficção de minha cabeça. Éramos parecidos. Eu me parecia com ela.

Ligados.


Mas senti como se alguém atirasse pedras em mim. - Comigo?

 

Smashed DreamsOnde as histórias ganham vida. Descobre agora