RECEPTÁCULO

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QUAE FACES SUNT?

CAPÍTULO QUINZE

  Não tinha o que ser feito, não havia como ser perdoado. O garoto a minha frente certamente não queria ceder, eu o magoei, o machuquei, Trevor estava completamente a deriva, seus olhos escuros como o carvão brilhavam em um opaco vazio, sem vida ou qualquer resíduo de humanidade. Algo estava errado, esse não era meu Trevor, por mais que a dor fosse eminente ele não deixaria ser consumido pelo ódio e nem mesmo seria engolido pela solidão, Trevor era forte e determinado, eu não seria capaz de abalar com seu psicológico nem mesmo por a mais espontânea maldade.

Se eu não tivesse fraquejado decerto ainda teríamos alguma chance de reatarmos algo que brevemente seria desfeito, um único beijo fora capaz de destruir toda a confiança conquistada em meses. Eu já podia sentir as lágrimas se acumulando nas pálpebras rosadas, minha garganta dando indícios de um nó doloroso e um aperto no peito inalando o fôlego já faltante, culpa e vergonha era o que me definia e tudo se intensificava ao perceber o olhar de repulsa emanado pelas incríveis orbes sombrias.

A pouca luz que o dia nublado conseguia cortar através da janela dava um ar tenebroso ao quarto composto por tons neutros e móveis da antiguidade. A silhueta máscula me encarava com os mais repugnantes sentimentos, eu não sabia ao certo o que o garoto podia estar confrontando em sua mente perturbada, não pude distinguir se ele lutava contra a dor de perder metade do seu grupo social ou se planejava me torturar até por fim aliviar o desejo assustador que sua aura transmitia. Tudo estava deveras confuso.

—Não me deixe falando sozinho, por favor. —minhas falas saíram em meio a soluços.

O garoto por fim me encarou nos olhos, aquele com certeza não era Trevor. Sua expressão era vazia, suas íris dilatadas despertava um medo que eu só sentira quando o carro dos meus pais capotou penhasco abaixo, um sorrio de ladino tomou seus lábios que antes ansiavam pelos meus. Era frio, porém quente, um misto de sensações.

—Olá Kalel. —uma voz arrepiante digna de um filme de terror, um tom raivoso e demoníaco—É uma honra conhecê-lo pessoalmente. Digo, é uma honra estar em sua presença. —o corpo levantou-se e lentamente se aproximou de mim.

Recuei.

—Não tenhas medo, não tem motivos para sentir medo. —passos pesados prenderam minha atenção—Quero apenas lhe conhecer.

Meu coração acelerou ao sentir os dedos ardentes acariciarem meu rosto gélido, o falso Trevor me analisava como um estilista analisa seus modelos, com íris flamejantes e um sorriso tentador.

—O que você é? —alterei meu tom de voz para assim demonstrar segurança, algo que obviamente estava escasso.

Ele continuou acariciando meu rosto como se quisesse me sentir há muito tempo.

—Não importa o que eu sou, importa quem eu sou. —me prendeu contra a parede—Muitos me chamam por um nome odiado até mesmo por mim, outros afirmam que sou o pai da mentira —sua voz agora se igualava ao timbre grave de Trevor —mas poucos têm conhecimento da minha verdadeira identidade.

—Lúcifer! —proferi.

Umedeceu os lábios.

—Exato, ainda prefiro meu corpo original, entretanto, tem sido um saco permanecer por mais de uma semana em receptáculos tão frágeis como os humanos.

—O que quer de mim? Por que as mortes? Os ataques? —eu precisava de respostas e eu as conseguiria.

—Você deveria estar morto, estou surpreso por ter conseguido chegar tão longe. —voltou para a cama—E fico ainda mais perplexo pelo fato de Dimitréo ter conseguido desfrutar dos prazeres da carne, você está perfeitamente bem.

THE IMMORTAL |Até a Morte-Livro 1Donde viven las historias. Descúbrelo ahora