|CAPÍTULO 9|

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Soraya estava sentada no batente de concreto na área dos fundos da sua casa. Ela mesma varreu o pó, há alguns minutos. Nas mãos delicadas ela segurava um jasmim, rodando a planta para lá e para cá.

Se ficasse de olhos fechados por muito tempo conseguia sentir um formigamento nos lábios, proveniente da pressão dos lábios de outra mulher.

Não uma mulher qualquer. Se pudesse rabiscar todo o tipo de sentimento que nutria por ela, escreveria o quanto Simone Tebet lhe irritava. O quanto lhe arrepiava. O quanto lhe desestabilizava.

A verdade é que não podia. Tinha medo até que alguém pudesse escutar os seus pensamentos, de tão alto que eram, quem dirá ter por escrito algo tão... íntimo. Era de se estranhar, acontecer assim logo com ela, que nunca se engraçou para senhor ninguém. Experimentou o desapego de Simone e não resistiu.

Em um ato de romantismo, ela cheirou a flor e depois levou no peito.

"Ô Soraya!" Sua mãe lhe chamou. Soraya não escutou da primeira vez, muito menos da segunda. Estava perdidinha em um suspiro. Dona Ilda estranhou, porque sua filha costumava ser falante, sempre conversando ou cantarolando com ela, nunca no mundo da lua daquele jeito.

A senhora mais velha chegou perto e segurou o ombro da loira, chacoalhando ela de leve. Soraya despertou num susto, pulando e ficando de pé.

"'Mai que susto, minha mãe!" Ela puxou o pano de prato que estava no ombro e tapou a boca, na certa com medo do seu coração escapulir por ela.

"Quié que te deu, hein? Está assim desde a visita da filha do Coronel." Ilda cruzou os braços na frente do corpo, examinando bem como sua menina estava pálida.

"Nada não, minha mãe. Eu só... Eu..." Soraya exasperou, levantando os braços como quem estava sufocada do assunto e saiu marchando pra cozinha depois de desviar da mãe. É claro que dona Ilda achou mais estranho ainda, também, pudera. O tom de Soraya deferia totalmente do esperado.

O dia da outra não fora muito diferente quanto aos seus pensamentos e fantasias, apesar da tentativa de ocupar-se em tudo o que lhe fizesse gastar energia.

Lá para mais tarde, com a porta encostada como o combinado, Simone recebeu uma visita miúda de sua irmã mais jovem, com uma lamparina acesa em uma mão e uns cadernos debaixo do braço livre.

"Sisa..." Duda chamou baixinho, sentando na ponta da cama quando a irmã se encolheu para dar espaço a ela.

A Tebet mais velha esperava a menina bebericando uma xícara de chá de camomila ainda quentinho.

"Oi, Duda." Simone a cumprimentou. "Venha cá, eu vou te falar sobre uma coisa que não está nos livros em nossa primeira aula."

Mediante o convite da irmã mais velha, Eduarda apagou a lamparina com um sopro e se aconchegou ao lado dela entre os travesseiros na cama de dossel.

"O que é mais urgente que matemática?" Duda sorria ao dizer. Simone passou as mãos nos cabelos pretos iguais aos seus e deu um beijo na têmpora da mais nova que entendeu que podia se aconchegar num abraço.

"É que às vezes, no meio do caminho enquanto envelhecemos, podemos esquecer o quão é importante priorizarmos a nossa felicidade." Simone fez uma pausa. "E felicidade é...?"

Duda sorriu e olhou pra cima.

"Está me perguntando, Sisa?"

"Claro, moleca."

"Não sei... Acho que a mamãe já disse tantas vezes que só foi feliz quando nós nascemos e..." Simone estalou a língua como se estivesse escutando uma barbaridade.

Correio Aurora [Simone x Soraya]Where stories live. Discover now