Sinais

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O resto do dia foi complicado para Aonung. 

Quando foi chegou aos ouvidos da vila que ele havia acordado, todos vieram prestar suas felicitações. Mal havia despertado do sono e já precisava aceitar pilhas de presentes, apertar várias mãos e distribuir muitos sorrisos. 

Inicialmente, Neteyam até tentou ficar ao seu lado, mas o alto fluxo de pessoas o desconsertava, e ele julgou melhor conversar com o Metkayina mais tarde, quando pudessem ficar a sós. 

Depois de toda a vila ver vê-lo, o filho da Tsahik ainda teve que passar por uma sessão de recomendações e análises por parte da mãe. Ele tomou diferentes tipo de remédio, comeu muito e bebeu muita água, para compensar o tempo que ficara desacordado.

Quando a noite caia ele já estava farto da situação.

— Aqui, meu filho. Beba este bálsam... 

— Mãe, chega — Aonung afastava o frasco de madeira — Eu já estou bem. Além disso, preciso dormir. Amanhã cedo vou continuar o treinamento do Neteyam. 

— O que? Você está louco? Olhe para o estado da sua perna, Ma'Nung. Você não pode nadar assim. Espere pelo menos os cortes cicatrizarem! Tenho certeza que o garoto Sully consegue companhia. 

— Como assim, mãe? 

— Bom, depois dos feitos valorosos do filho de Toruk Makto, muitas garotas ficaram interessadas. Estão por aí, procurando presentes para conquistá-lo — A Tsahik falava despretensiosamente. 

Aquilo irritou e aborreceu Aonung. Quer dizer que essas interesseiras só começaram a reparar nele depois dos "feitos valorosos" do garoto? Neteyam não merecia alguém assim. Merecia alguém que gostasse dele por quem ele é, que observasse cada detalhe dele, as tranças sempre bem feitas, o corpo perfeito, e os olhos... ah, aqueles olhos...

Ele estava com ciúmes? Talvez, mas não era algo com que se importasse imediatamente. Ele só queria ver o garoto, checar como ele estava. 

Enquanto comiam o jantar e trocavam os curativos de sua perna, ele pensava em algo. 

Ao mesmo tempo, em seu marui, Neteyam lutava contra a ansiedade crescente no seu peito. 

O dia havia sido cheio de aventuras e emoções. Ele deveria estar exausto, mas mesmo assim, um sentimento inquietante o impedia de ficar parado. Queria sair andando, fazer alguma coisa. 

— Mano, será que dá pra parar de mexer essa perna? Eu quero dormir — Lo'ak pediu, protestando contra os movimentos repetitivos do irmão que inevitavelmente o incomodavam.

— Desculpa, cara — Responde se levantando. Ele aproveitaria que seus pais estavam adormecidos e sairia para dar uma volta, talvez se sentar e olhar o mar. 

O nível da água já havia se normalizado e as luzes brilhantes do recife pareciam ainda mais bonitas. As luas de Pandoras estavam todas cheias no seu, e seu brilho refletia nas águas. Ele se sentou sobre as passarelas trançadas um pouco longe da sua tenda, encarando os seres bioluminescentes abaixo da superfície, quando foi arrancado dos seus pensamentos por uma voz conhecida. 

— Não consegue dormir, menino da floresta?

Ele se virou rapidamente. Um pouco distante, Aonung caminhava mancando na sua direção. Ele pensou em se levantar para ajudar o outro, mas decidiu que ele conseguiria sozinho. 

Quando se aproximou, Aonung sentou-se ao seu lado. Neteyam percebeu como a íris azul do rapaz brilhava melodiosamente em conjunção com o recife noturno. 

— Quer dizer que você abriu o presente? — O Metkayina tentou puxar assunto.

— Eu tenho quase certeza que você não deveria estar aqui, Aonung. O que veio fazer? — Neteyam não soava ríspido. Só queria desviar a conversa para outra pauta.

— Eu tive que vir conversar com a nova celebridade de Awa'atlu. Você aparentemente é um herói glorioso agora — Havia um certo tom de sarcasmo, ressentimento ou ciúmes nas palavras que ele dizia. 

— Eu nunca fiz nada disso por glória — Neteyam respondia olhando para a água.

— E pelo que você fez? 

— Pra salvar sua vida, garoto estúpido — Virou-se rapidamente para olhá-lo. Quando os dois pares de olhos se encaixaram, o mundo pareceu se distanciar um pouco. 

— Minha mãe me disse que você tem várias pretendentes — Aonung desviou o rosto. Buscava esconder o ciúme mas suas orelhas baixas indicavam algo errado.

— E isso o preocupa? Eu não vou roubar ninguém de você. 

— Não é isso, é só qu...

— Ei, Aonung — chamou a atenção do garoto ao seu lado, fazendo-o voltar a vê-lo — Eu não quero nenhuma delas. Eu nem sei os seus nomes — Neteyam pousou sua mão sobre a do outro, fazendo seu coração disparar — Você não precisa se preocupar com isso. 

— E-eu... não estava preocupado — Mentiu. 

— Não é o que seu rosto dizia — O garoto de pele azulada disse em tom de brincadeira.

— Ah, então quer dizer que você fica reparando no meu rosto? — Aonung continuou no mesmo tom. Ele era melhor com as provocações. 

— N-não foi o que eu disse. 

— Sabe o que a gente precisa começar a treinar? — Falou como se lembrasse repentinamente de algo — A linguagem de sinais marítima. Sabe? Aqueles sinais com as mãos. 

Neteyam surpreendeu-se com a guinada inesperada que a conversa tomou, mas era realmente algo que ele queria aprender, por isso, ele concordou com a cabeça. 

Passaram algum tempo conversando em sequência. Aonung o ensinava os sinais mais fáceis e úteis, provocando o outro sempre que ele errava, e constantemente unindo suas mãos às dele para corrigir uma postura errada. 

— Não. Assim não, é desse jeito. — Pela terceira vez o treinador procurar corrigir as mãos — Isso, é desse jeito. Você é horrível nisso, sério — Falava rindo. 

— Tá, eu ja entendi — Estava quase perdendo a paciência. Era muito mais complicado do que parecia — O que esse significa? 

O rosto do Metkayina enrubesceu. Talvez ele devesse mentir, seria mais fácil e menos constrangedor. Mas ao olhar para o rosto inocente do menino a sua frente, buscando aprender aquela língua, ele não conseguiu. Se sentiu desarmado. Era difícil mentir para aqueles olhos amarelos brilhantes de Neteyam. 

— Significa: Eu vejo você, Ma'Teyam. 

Só Eywa sabe como ele teve forças para dizer isso sem desviar o olhar. Estava nervoso. Seu coração pulava esperando a reação do outro aquele apelido carinhoso. Mas ele ficou ainda mais feliz quando ouviu a resposta que veio acompanhada de um sorriso. 

— Nesse caso, preciso aprender a dizer: Eu vejo você, Ma'Nung. 

E ali, naquela hora, de repente as luzes do recife ficaram mais lindas do que nunca para os dois meninos. As luas brilhavam mais forte, as ondas soavam suaves e toda natureza que os cercava parecia mais harmônica.  

E eles se encaravam com carinho no olhar.  

Perdido no seu Azul│Aonung X Neteyam │Onde as histórias ganham vida. Descobre agora