Capítulo VI

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Os dias seguintes se seguiram um uma tranquilidade um pouco menos falsa que a anterior. Para Sherlock, era como se os minutos de mãos dadas com John no Regent's Park tivesse aberto um canal de comunicação entre eles, previamente fechado, que os conectava ao John e Sherlock de antigamente.

Ele achava estranho pensar nisso. De antigamente. Eles não eram idosos, claro, mas a meia-idade estava cada vez mais próxima. E eles se conheciam há bastante tempo, talvez mais tempo do que qualquer outra pessoa que Sherlock ainda mantinha contato. Tirando Mycroft, claro.

Mycroft.

Sherlock estava se preocupando tanto com a irmã de John que se esqueceu de seu próprio irmão. Há quanto tempo eles não se falavam? Sherlock não se lembrava da última vez que recebeu uma mensagem dele, ou um convite mandatório de entrar em um carro preto. Ele até que sentia falta.

Claro, era fácil pegar o celular e digitar algo para ele. Um texto provocador, claro, não diria "eu senti a sua falta". Mycroft pensaria que ele havia sido sequestrado, se mandasse isso. Mas ele não conseguia. Após m um certo período de tempo, é... desconfortável tentar refazer laços. Sim, ele era seu irmão, mas quando eles haviam agido com o laço fraterno? Os dois certamente não eram o melhor exemplar de amor de irmãos no mundo. Cuidavam um do outro, se certificavam de que o outro não morreria, e só. Pelo menos Harry tinha certeza de que John se importava com ela, mais do que só com sua sobrevivência.

Os dias se arrastavam. Sherlock estava cada vez mais inquieto. Sem nada de interessante para fazer, e sabia que sua relação com John seria reconstruída com o tempo, tudo que ele queria era uma situação de dopamina instantânea. Mas casos criminais ficaram muito mais burocráticos na pandemia, e Sherlock não iria sair e correr o risco de contaminar John, ou a sra. Hudson, apenas por seus caprichos.

Ele teve algo para distrair sua mente, porém, quando John voltou da sra. Hudson, aparentemente satisfeito consigo mesmo após uma tarde de chá e filmes, e disse:

— Vou chamar a Harry para almoçar aqui. Semana que vem.

Sherlock levantou os olhos da revista muito entediante que estava lendo, tentando não parecer animado demais.

— Vai?

— Sim. Amanhã vou visitá-la, propor a ideia. Ela não vai aceitar de primeira, claro. Depois, daqui três dias, ligo de novo para convencê-la, e aí é só preparar o ambiente. Terça parece um bom dia para você?

Sherlock queria dizer que não tinha noção nenhuma dos dias da semana há meses, porque em uma quarentena isso se torna inútil, mas apenas confirmou com a cabeça.

— Ótimo. Acho que isso vai ser bom para ela. — ele fez uma pausa. — Para mim também.

¤◆¤

No dia seguinte, assim que John saiu pela porta e disse que estava indo encontrar sua irmã, Sherlock percebeu que ele estava tão preocupado em fazer o almoço acontecer, que não tinha parado para pensar em como seria.

Ele nunca, em nenhum momento da vida dele, havia conhecido a família de algum de seus amigos. Quando era mais novo, não tinha amigos, e depois que se tornou adulto, não era mais algo que acontecesse. E se fosse muito estranho? E se ela não gostasse dele? E se ele dissesse a coisa errada? Ele poderia estragar com aquilo de tantas maneiras diferentes.

Uma coisa ele tinha certeza: por mais que fosse a oportunidade perfeita para praticar sua dedução de novo, ele não diria uma palavra. Nem para ela, nem para John. Uma coisa é deduzir estranhos na rua ou pessoas para casos, outra completamente diferente é abrir o jogo sobre a sua irmã.

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