Aceitação e medo

85 10 1
                                    

Shuntaro passou a madrugada inteira jogando e pesquisando curiosidades aleatórias na Wikipedia, se esquecendo do mundo real. Foi dormir umas cinco da manhã e se acordou lá pras uma da tarde, cheio de notificações. Já sabia o que era, mas resolveu ignorar — foi estudar os assuntos do colégio, só queria ficar na dele.

Mas agora, estavam o ligando.

— O que foi, Samura? Tô estudando.

— Como assim o que foi, imbecil? Tu sumiu do bar e não respondeu por horas, sem dar satisfação. — Quase gritava ao telefone. — A gente pensou que tu tinha sido sequestrado, sei lá. O que houve?

— Foi mal. Minha mãe ficou puta comigo, só. Disse que se eu não chegasse em meia hora ela não consertaria meu outro PC. Aí, cheguei e só dormi, teve morrendo de sono. — Mentiu.

— Caralho, tu é muito nerd. Pensei que ia te proibir de sair de casa, sei lá.

— Nem ia mudar muita coisa, tu sabe. Mal saio.

— É, né. Enfim, era isso só. Responde o Niragi também, viu? Ficou mais preocupado que eu.

— Ué, por quê?

— Sei lá, ele não te conhece há tanto tempo. Enfim, tchau.

— Tchau.

Na mesma hora, abriu a conversa com Suguru.


ontem

Niragi: Eii
Niragi: Cadê tu???????
Niragi: Aconteceu algo??

hoje

Chishiya: oii desculpa por sumir
Chishiya: foi so uns role c mainha e tal
Chishiya: mas ta td bem

Niragi: Ótimo ent
Niragi: Jogou muito animal crossing?

Chishiya: vsf
Chishiya: vou quebrar teu baixo

Niragi: Se tu encostar nele leva porrada
Niragi: E teu PC tb

Chishiya: pois ta bom


Mais tarde, abriu o seu Instagram e se deparou com uma postagem nova de Niragi. Eram fotos dele com uma led vermelha em seu quarto, segurando seu baixo. E, todas elas, Chishiya achou assustadoramente atraentes — seus piercings e sua vibe de bad boy deixavam o loiro impressionado. Então, não podia não curtir a foto.

Todo o feed de Suguru era praticamente oposto ao seu: cores vermelhas, fotos dele e de instrumentos, tudo com certa energia sexual por trás. Niragi era extremamente expressivo na sua forma de se vestir e de sentir, coisa que Shuntaro não costumava fazer muito — era bem mais contido e distante do mundo físico, além de mais calmo, obviamente. Porém, ambos eram assertivos na sua forma de ser: não precisavam agradar ninguém, eram apenas dois esquisitos sem receio de fugir dos padrões da sociedade.

E Chishiya, logo, pensava muito sobre isso. Achava o baixista tão similar nesse quesito, sabe? Precisava entender o porquê. Sempre sentiu vontade de conhecer o verdadeiro eu das pessoas, pois achava as dinâmicas sociais extremamente falsas e que apenas mascaravam a essência das pessoas. Mas, por que Niragi, que aparentemente não gostava de esconder a si mesmo, era tão misterioso? Por que fazia isso? Às vezes, sentia um pouco de medo do seu lado sombrio e agressivo, mas, era teimoso o suficiente para ignorar este medo.

Só que o loiro não percebia que estava sendo egoísta e irracional — primeiramente, não sabia se Niragi iria abrir-se completamente com ele e, segundamente, faria apenas isso para saciar a sua sede de conhecimento. Estava quase como um cientista maluco, que faz experimentos sem se importar com toda a ética por trás. E isso não era nada empático.


Chegou a quarta, dia 14. As primeiras avaliações já estavam próximas, iniciando dia 21, na outra quarta. Pelo menos, mesmo que fossem obrigatórias, valiam apenas ponto extra.

— Ei, Chishiya, tu vai estudar pras provas?

— Vou sim, e tu? — Respondeu a Niragi.

— Meu, sério? — Riu. — Tu é muito nerdzinho.

— Quero me livrar logo, pra ficar de férias mais cedo. Ninguém merece ficar até o final de dezembro aqui.

— É, sei bem como é. Tu nunca deve ter passado por isso, lembro de ver um outdoor teu um dia por ter se saído bem em alguma coisa.

— Meu Deus, não me lembre disso. Eu tava horrível naquela foto, e ainda espalharam isso pra cidade toda.

— Ah, qualé, tu é bonito, Chishiya. Deixa de frescura.

— V-valeu. — Ficou envergonhado.

Niragi riu.

— Por que tu ficou envergonhado? Nunca recebeu um elogio, foi?

— Sim, tipo isso. E nunca imaginaria tu elogiando alguém, muito menos eu.

— Tu acha que eu não tenho coração, né? Isso tá mais pra tu do que pra mim, mano.

Shuntaro não gostou muito de ouvir isso, então apenas ignorou o amigo.

— Eu menti, por acaso?

— Não, mas qual é o teu problema com isso? — Ficou levemente irritado. — Se não gosta de mim, não precisa falar comigo.

Suguru ficou confuso.

— Nossa, foi mal. Não precisa se achar tão especial, não. — Foi sarcástico. — Se eu não gostasse de você, já teria caído fora.

— Tá. Me exaltei, desculpa.


Niragi, por mais que estivesse se sentindo bem consigo mesmo graças à Chishiya, estava começando a ficar incomodado com algumas de suas atitudes. Sabia que ele próprio era uma pessoa inconstante e que poderia se tornar agressivo por pequenos gatilhos, mas Chishiya não ficava atrás dele: num instante, era fofo e, no outro, falava as coisas da forma mais fria possível. Sentia que eram como fogo e gelo, e esperava que pudesse descongelar um pouco o temperamento do loiro. Oras, se estava agindo de forma agradável com ele, deveria receber um retorno mínimo, não é? Porém, o motivo mais importante para derretê-lo era outro: no bar, percebeu que adorava vê-lo envergonhado e provocá-lo, achava muito gracioso, principalmente quando dava um sorriso tímido. E, Niragi sabia o significado de tudo isso, mas o seu medo de não o ver mais agindo dessa forma era paralisante. Então, iria devagar.

— Chisiya, cê tá certo. É melhor não ficar nas finais mesmo.

— É, sim. Mas, o que tem?

— Como o aluno medíocre que sou, se importaria em ajudar este pobrezinho de humanas com as exatas?

— Ah, claro. Mas, pessoalmente ou por call?

— Você que sabe.

— Pode ser lá em casa, não tem problema. — Não entendeu as intenções de Niragi, coitado.

— Certo, então. Amanhã, que tal?

— Tá ótimo, a gente combina.

Alguns minutos antes do combinado, Chishiya encontrava-se ansioso, ponderando sobre o seu amigo — começava a se questionar se sentia apenas amizade por ele ou não e, sinceramente, achava que tinha algo a mais nisso. Mas, como procederia? Era paralisante, tinha medo de se apaixonar e de se envolver de forma tão direta com alguém, já que nunca tinha namorado na vida. E, o pior, não sabia se Niragi se sentia dessa forma em relação a ele. Estava quase entrando em combustão e, como se fosse castigo, sua campainha acabara de tocar. Não queria atender, queria sumir dali o mais rápido possível e só voltar quando esse sentimento desaparecesse. Porém, dessa vez, teria que encarar a situação. E o fez.

O EnigmaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora