1x19 - A Curva Impossível (Parte I)

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- Minha nossa senhora! - exclamou ela, indo de encontro aos dois. - Ajuda aqui! Gente, vem rápido!

Logo, Pedrinho se viu cercado por Néia e suas ajudantes. Duas delas seguraram Narizinho pelos braços e a conduziram, em passos rápidos, para dentro da casa. Ao perceber o estado de Pedrinho, Néia dirigiu-lhe um olhar horrorizado e disse:

- Pelo amor de Deus, o que vocês aprontaram agora?!

- A gente foi brincar no rio. - Pedrinho mentiu sem hesitar. - Mas o tronco tava muito molhado, a gente escorregou e caiu na água. Desculpa!

- Criançada dos infernos! - esbravejou Néia. - Nem em dia de luto dão um descanso! Anda, vai pra dentro!

Pela porta entreaberta da sala, chegava a voz alarmada de Dona Benta:

- Lucinha!

Agora que seu corpo começava a esfriar, as câimbras nas pernas de Pedrinho pareciam se agravar ainda mais. Subiu mancando os degraus da varanda. Chegando à porta da sala, deparou-se com as empregadas carregando Narizinho escada acima.

- Põe ela na minha cama, que tem mais espaço! - orientava Dona Benta. - Néia, rápido, pega a... Pedrinho?

O menino passou por ela como uma flecha e subiu as escadas atrás de Narizinho. A breve visão de suas costas empapadas de sangue pareceu levar Dona Benta a um estado de choque.

As empregadas acabavam de entrar no quarto de Dona Benta. Pedrinho adiantou-se a elas, avançando até a imensa cama que ocupava o centro do cômodo e prendendo a mosquiteira de renda em uma das colunas do dossel. Em seguida, as duas deitaram Narizinho com cuidado sobre a colcha bordada. O vômito havia parado, mas Narizinho continuava inconsciente.

Dona Benta chegou com Néia à soleira da porta, deparando-se com o estado deplorável de Pedrinho. Cabelos desgrenhados lhe emolduravam o rosto sujo de terra e lágrimas. O corpo estava quase todo marrom, não se distinguia mais pele de roupa sob as pesadas crostas de lama.

- Minhas crianças... eu nem... eu nem sei...

As palavras fluíam com dificuldade pelos lábios enrugados de Dona Benta. Tentava tocar Pedrinho, mas parecia temer feri-lo ainda mais. Os olhos, rasos d'água, alternavam-se ele e Narizinho.

- Tá tudo bem, Dona Benta. - murmurou Pedrinho, tomando entre as suas as frágeis mãos de sua anfitriã. Antes de continuar, deu uma olhadela desconfiada para Néia e suas ajudantes. - Acabou. Eu dei um jeito nela... na Emília. Ela não pode mais machucar a gente.

Por um momento, Dona Benta pareceu não entender o que acabara de acontecer. Pedrinho dirigiu a ela um olhar cúmplice, esboçando um sorriso tal qual não fazia há muito, muito tempo. De súbito, foi como se o semblante da senhorinha se acendesse, tomando por uma sensação de alívio imensurável.

- Néia.. vocês podem dar licença, por favor?

- Sim, senhora. - respondeu Néia, sem abandonar o ar de reprovação.

- Obrigada.

Quando as três deixaram o quarto, Dona Benta tascou em Pedrinho um abraço que era ao mesmo tempo forte e delicado. A sujeirada não lhe incomodava nem um pouco.

- Tão corajoso... - disse ela. - Você é igualzinho seus pais, Pedrinho. Tão corajoso quanto eles.

As palavras fizeram o sorriso de Pedrinho se abrir um pouco mais. De repente, Narizinho foi acometida por um acesso de tosse. Na mesma hora, Pedrinho voltou-se para ela, coração entalado no meio da garganta.

- A Lucinha...

- Eu não sei o que aconteceu. - disse Pedrinho, como se pedindo desculpas. - Ela já tava assim quando eu... ela tava na trilha perto do milharal.

O SítioWhere stories live. Discover now