Lider'atura

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Por tantos rostos que se curvam em meio às páginas bem diagramadas, rostos que se curvam e debruçam sobre textos bem esticados, mas com um viés reducionista e psicológico. Os temas pelos quais são versados tamanhos aforismas possuem uma linha de raciocínio específica  e bem definida- liderança. Desde que a mentira de que o homem é o único e o total responsável pela construção de sua vida e de seu futuro foi implantada em nosso pensamento, controlar o incontrolável é obrigação! Deter nas próprias mãos todas as variáveis e prever todas as incertezas é o mínimo que um homem de "honra" e dotado de "razão" precisa fazer. A questão que se levanta é que, para controlar todas as variáveis, ainda mais se tratando da vida em sociedade, não há outro método mais assertivo do que controlar as pessoas que fazem parte do cotidiano, seja onde for. Por tantos rostos que se curvam em meio às páginas de um manual intitulado "liderança", são tantos rostos serpenteando linhas de líderes dando dicas de liderança, a maior mentira já encontrada em nossos tornozelos. Tal manual leva a vida como um tabuleiro, como um videogame onde o domínio de todos os botões e sequências especiais do controle te levarão ao "nível mais alto" e ao "desbloqueio do sucesso", afinal, basta seguir o caminho do milionário e logo se tornará um José rico.

Por tantos rostos essa mentira é espalhada, mas o motivo é óbvio: Que mais pode fazer um chefe meticuloso para controlar os seus funcionários além de fazê-los 'líderes' de sua pequena monarquia absolutista umbigocentrica? Não conheço nenhuma estratégia tão boa para comandar do que fazer com que os comandados sintam-se comandantes. Qualquer um que jogue uma faísca de luz sobre essa questão logo perceberá a dissonância entre a quantidade de escritores de Líder'adura e a quantidade de comandados que consomem esse tipo de leitura. Há duas opções possíveis para explicar essa dissonância- Ou esse manual de sucesso é ineficaz ou esse manual tem um objetivo negativo e não positivo.

A fundamentação teórica de todas essas histórias inspiradoras dar-se na exceção e não na regra. Até a mais pura das crianças perceberia que um raio que tenta ensinar um outro a cair em um mesmo lugar é um raio que lança mão de um tempo e uma energia gastos desnecessariamente. Como explicar para a moeda que ela deve cair de pé e não doar a cara nem apresentar a coroa? Os manuais de liderança estão escritos com o objetivo de serem uma cartilha de coordenação, letras que tomam um sentido sacro e servem para imolar sacrifícios para deuses internos e enriquecer os deuses externos. Faça um Gnu crer ser um leão e terás um alimento sempre à disposição; faça de mil Gnus mil leões e terás alimento a qualquer hora, lugar ou momento; faça de todos os seus comandados líderes imaginários que sonham com uma história de sucesso e sempre terás ombros para escalar enquanto estiveres esculpindo teu sucesso.

O manual de liderança que atinge recordes de vendas, suscita o desejo de comando. O homem, como exposto acima, sofre com a necessidade de comandar, sofre com a necessidade de estar com as mãos nas rédeas. No entanto, aqueles que servem indiscutivelmente aos manuais de liderança realmente alcançam as rédeas, mall sabem eles que tornaram-se marionetas que reproduzem o nefasto repertório coach do momento. Um homem que é sua própria empresa, falido tem como única culpa a si mesmo, tendo sucesso, só atribui gratidão às próprias botas. Essa simples subtração entre os exemplares de manuais de liderança e os exemplos reais de líderes, bastará para mostrar a proporção de Gnus para cada Leão na savana.

O primeiro a contestar o que até aqui foi exposto argumenta que é por falta de prática que essa dissonância se dá, dado que tudo o que é exposto em tal literatura liberal e progressista, é de bom proveito para todos os homens. A resposta é clara quanto a essa objeção, é simples exaltar em uma sociedade ansiosa e doente de valores qualquer valor de cunho coercitivo. Se o motivo da falta de sucesso de transferir as lições de liderança do papel para a prática é a vontade do sujeito, contra argumento dizendo que é de exata vontade do sujeito que escreveu, que se adquira o segundo volume de sua obra. Impor regras para o sucesso e a liderança de homens é a loucura que orquestra a lógica dessa apoética literatura.

A atmosfera criada ao redor do sujeito que desfruta do manual de liderança, como de fácil observação, tende a ser mais densa conforme o grau de ingenuidade do mesmo. É de simples bonança desprender palavras de consolo para quaisquer ouvidos que sofrem. Ao pequeno, que está cansado de ser humilhado, esses senhores da literatura de sucesso fornecem o prato cheio para a construção de uma nova realidade. O ABC para aquele que, de forma subliminar, deseja transformar-se em opressor é redigido em grandes palácios, apesar de seu conteúdo revolucionário capitalista, é redigido pelos de grande lapela. Questiono se esses senhores da literatura do sucesso realmente querem outros homens sentado à mesa com eles? Homens com o mesmo espírito de liderança e de poder; homens com o mesmo quinhão; homens com o mesmo ímpeto frente a frente. Essa escola de liderança nada mais é, ao meu ver, que uma escola de comandados. Histórias inspiradoras que não querem respirar o mesmo ar do passado, talhados no orgulho, são poucos os que realmente conhecem e querem mudar a realidade de suas origens.

Essa literatura motivacional que se espalha em páginas bem diagramadas também faz mal para o próprio gênero da literatura/poesia. Aqueles que consomem de forma viciosa esses manuais de "Como tornar-se um leão" aos poucos criam um preconceito com tudo aquilo que alimenta a humildade e a sabedoria. Em poucos instantes esses leitores transformam  as sagradas escrituras em pedra fundamental de seus desejos. Eles reivindicam o título de "filhos de Deus" ao mesmo tempo que reivindicam o trono de Nosso Senhor Jesus Cristo. Desejam ser abonados por toda a criação, mas rejeitam imediatamente o diadema que coroa o filho de Deus: a coroa de espinhos, as chagas que são verdadeiras joias expostas na cruz. São esses tipos de homens que rejeitam os contos de fada por serem "fantasiosos e feitos para crianças", mas acreditam catolicamente no estadunidense milionário que observou na retórica um novo modo de expandir seu patrimônio. São esses tipos de homens que rejeitam a filosofia clássica, os mesmos antepõem a utilidade da sabedoria ao seu grau de lucratividade. São esses tipos de homens que, ao lerem o conteúdo dos Santos Doutores e dos pais do monaquismo, repudiam imediatamente a humildade e a pobreza… Faltam vomitar e logo se estressam por não encontrarem nos livros dos santos o "Cristo que promete mansões."

Ao apresentar todos esses pontos dessa ideologia perversa que, no presente momento, força-nos a estarmos em desunião com o simples, é importante traçar um plano para enfrentá-la. Toda essa literatura tem como fundamentação o egoísmo e a avareza. Nós estamos diante de uma escola do não amor, cujo os professores multiplicam seus textos e provas de modo sobre-humano; de modo inconsciente; de modo minimalista; de modo religioso e fictício.

Assim, para corrigir essa doença que abate-nos ainda no berço é fundamental construir uma resposta que gire ao redor do amor. Somente o gosto pelo simples é capaz de trancafiar esse ciclo que, só tem como objetivo, fazer-nos escravos de nossa própria ambição. A resposta deve ser pautada em uma literatura que fortifique o gosto pelo simples; pelo pequeno; pela natureza transcendental do abraço; pelo gosto de realizar uma ação sem a ambição de receber algo em troca; pelo simples sorriso que enche o vazio dos bolsões de nosso peito.

Para abraçar essa causa não basta apenas versar sobre essas belezas expostas, mas sim, contrapor o asfalto e a árvore; a caneta e a flor; o computador e o jogo de tabuleiro; o elevador e a assunção da fé; o celular e  o almoço de domingo. Como visto, é preciso exaltar até o último espaço presente nos redondilhos da mágica que habita em ter com a vida uma relação estabelecida na convivência mútua e não em uma relação de troca, dado que, ao chegar ao fim desses presentes a vida nos dará como prêmio a morte e nós devemos apresentar aquilo que nenhum manual de liderança ensina: viver bem.

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⏰ Última atualização: Aug 29, 2022 ⏰

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