A Regra

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Há um princípio básico que habita em cada item que tangencia a realidade. Este princípio chama-se 'Regra'. As regras não definem apenas termos e normas que devem ser seguidas com o objetivo de conduzir comportamentos, evitar conflitos ou dissonâncias entre indivíduos, grupos, associações etc. As regras fazem parte da vida, ou melhor, a própria vida é fruto de uma conjunção de termos. Bem disse Leonardo da Vinci, ao demonstrar as proporções do corpo humano, as leis habitam intrinsecamente a participação no bom, belo e, principalmente, no verdadeiro.

Bem cita o Exmo. Pe. Gillet Op. "A qualidade moral de um indivíduo depende em grande parte do ideal que nêle exerce influência diretriz." Que são senão esses ideais se não as regras? A nossa qualidade e capacidade moral, além claro, de nossa qualidade de vida habitam sobre um mesmo princípio; a vida segue seu curso pois a vida segue regras. Quando essas regras são desprezadas, ou há no indivíduo um eterno desejo de quebrar as regras básicas da natureza, passa-se a indiferença, o luxo, a vaidade e a morbidade e com isso, a fatalidade do tempo bate à nossa porta. A vida bem vivida não está ancorada no destituir os princípios básicos, mas empregá-los bem.

"Se há apenas dez mandamentos, isso quer dizer que há apenas dez coisas proibidas; logo, há dez milhões de coisas permitidas." Ora, se essa realidade que Chesterton aponta é verdadeira, que é a liberdade senão seguir regras? A diferença está em crer seguir dez regras e sentir-se refém, ou seguir outras dez milhões de regras e sentir-se livre. Não é por acaso que, ser o que se é, é liberdade. Liberdade também é regra, liberdade também é limitação. Somos todos livres para cremos ser um avestruz, mas as regras básicas da natureza nos impedem de sê-lo. São as regras que definem que é uma avestruz; apenas por meio dessas normas nossa imaginação funciona.

"Ergo preparanda sunt corda nostra et corpora sanctæ præceptorum oboedientiae militanda." Expressa o patriarca, muitos homens tem aversão às regras pois adentraram apenas na questão normativa e não visitaram a essência da para seguir regras faz-se necessário o desprendimento dos ramos da vaidade; ceifar paixões e negar particularidades em nome do comum, ou em nome de uma inimizade. A regra pela regra compartilha a mesma infelicidade dos objetos que são equivalentes por si mesmos. Por isso, como bem aponta Guillerand, "Requerem-se muitas palavras para não dizer nada ou para dizer o que não se pensa." Sem o preparo do coração e a meditação da profundidade da regra, dar-se-á um caudal de palavras que não dizem nada aos ouvidos de nossas condutas.

Que é então a exceção? Ora, é a própria aplicabilidade da regra. A exceção não é a fraqueza da regra, muito pelo contrário, a exceção aprova a regra. É mediante a exceção que pode-se observar a necessidade da lei- uma trilha desenhada em meio aos arbustos da nossa mesquinhez e, quando transbordados por nossas tolices, temos a plena visão a necessidade de abrir clareiras por entre a escuridão de nossas almas. Assim, por intermédio da exceção observamos que traçar um caminho é o caminho; eis o paradoxo que conquista a probabilidade- é a margem de erro que dá confiança para a estatística.

Dado tudo o que foi exposto, é inevitável assumir que nada pode existir sem uma regra, sem uma participação profunda da lei na formação do ser. Viver sem regras é não viver. Nosso universo é ordenado, cada pulsar dos nossos corpos é coordenado por uma razão que habita na forma mais primitiva do que conhecemos como genes. A vida sem regras não é mais vida, não é mais coisa alguma, dado que a própria formação e titulação de uma 'coisa' anseia por uma denominação e, por conseguinte, uma delimitação. Impor limites é formar a escultura da liberdade, nada pode ser livre se em primeiro momento não 'ser'.

É importante salientar que o paradoxo da exceção também tem suas exceções. Todas as regras são boas? Se todas são boas, por que algumas tornam-se ultrapassadas? Ora, se são boas e dotadas de pleno bem, por quais razões são desagradáveis para muitos? Todas essas indagações encontram resposta também em uma regra, a regra da imperfeição- o homem é imperfeito. O homem tenta decifrar constantemente as regras da natureza, legisla sobre outros homens, julga-se detentor da própria liberdade e senhor da liberdade dos demais. A regra da imperfeição; a regra da limitação; a regra de nossa fraqueza não são capazes de alcançar o Evereste ordenado e perfeito da natureza- essa que não foi corrompida pelo pecado, ao contrário do homem. Nossa dificuldade em compreender a importância das regras e torná-las perfeitas nada mais é do que nossa incapacidade de viver as regras. Violamos nossos próprios pensamentos, violamos promessas feitas a nós mesmos, violamos o desejo de realizar a dieta toda segunda-feira. Esta é a indisciplina, a exceção que aprova a regra: não é possível viver sem regras, mesmo que não as sigamos.

BENTO, São. "A Regra." In. Prologus

CHESTERTON, G. K "Illustrated London News 1/10/1932" In. pt/br 'Considerando todas as coisas.'

CHESTERTON, G.K " Ortodoxia" Caput. II O maníaco.

GILLET, OP. "A educação do caráter" Caput. Necessidade do ideal.

GUILLERAND, Agustín Caput.  "A única palavra do ser. " In. Antologia de autores Cartuxos.

HUME, David. "Discurso à cerca do entendimento humano"

SÊNECA, Lúcio A. "Sobre  a brevidade da vida." Caput. I, III-IV.

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