Josh

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Esfrego as mãos e assopro as palmas, numa tentativa vã de aquecê-las. Esqueci as malditas luvas no quarto do hotel. Pelo menos parou de nevar. Eu odeio neve; deixa a rua lamacenta e os pés molhados.

As grades do elevador de carga se abrem, e Lamar Morris sai primeiro. Lamar trabalha para minha família há duas décadas, e provou sua eficiência diversas vezes. Ele caminha à minha frente, e sua careca reluz sob a luz gélida do corredor apertado. Gotículas de suor escorrem por ela, revelando que a adrenalina corre solta pelas veias do meu acompanhante.

Ele para em frente a uma porta descascada de madeira. Uma música abafada escapa pelas frestas: "Jingle Bells". O lugar fede como uma carcaça jogada ao sol – o que chega a ser absurdo, tendo em vista o tempo irritantemente gelado que está lá fora.

Saco a pistola do coldre e olho para Lamar, ordenando que avance. Ele é um negro alto e largo – com certeza pesa mais de cento e cinquenta quilos – e eu não tenho dúvidas de que colocará a porta abaixo em apenas uma tentativa.

Ele se prepara para colocar minha ordem em prática quando um som me chama a atenção,acompanhado pelo movimento de um vulto em minha visão periférica. Olho por sobre o ombro esquerdo enquanto interrompo a ação de Lamar com a mão livre. Vejo uma criança de uns três anos de idade parada no final do corredor. Ela tem um sorriso no rosto, e segura um balão de gás meio murcho.

Posso sentir o olhar de Lamar sobre mim, aguardando que eu autorize o prosseguimento da operação. Sem tirar os olhos da criança, levo o cano da pistola aos lábios, pedindo silêncio.

Uma mulher aparece em seguida. Quando nos vê, arregala os olhos castanhos adornados por profundas olheiras e alguns hematomas. Com a cabeça, mando que ela retorne para o lugar de onde saiu, levando a criança consigo. Antes de me obedecer, ela sorri maliciosamente,revelando a ausência de diversos dentes. Como me mantenho impassível, ela mostra o dedo do meio, puxa a menina pelo braço e some de vista. O som de uma porta batendo com estrondo ecoa em seguida.

Volto a encarar Lamar, que revira os olhos, amarelados pelo excesso de álcool, e retoma a postura de quem está prestes a agir com violência. Seguro a pistola com mais firmeza. Ele se afasta dois passos – o suficiente para pegar o impulso necessário –, e avança contra a porta de madeira carcomida cujas dobradiças cedem sem qualquer resistência.

Assim que a porta se abre, começo a atirar. Há cinco homens no local – quatro deles sentados à mesa jogando cartas e um quinto esparramado no sofá, com uma garrafa de vodca pela metade em uma das mãos. Os homens à mesa têm armas, mas elas estão desleixadamente esquecidas a seu lado, displicência causada pelo álcool ingerido em excesso. Pegos de surpresa, eles tentam erguer o corpo, mas atiro de forma certeira na testa de cada um antes que eles consigam fazer qualquer coisa.

Lamar imobiliza o homem que assistia à televisão trajando apenas uma cueca samba-canção.

Ele é baixinho e magricela, e começa a chorar quando meu acompanhante o imobiliza com uma gravata.

Eu me aproximo da mesa e observo o que está sobre ela, respingado de sangue – armas, um baralho desgastado, cinzeiros recheados de guimbas e cinzas, copos quase vazios. Há uma quantia considerável de dinheiro amassado ao centro. Os safados brincavam de jogar pôquer com o que roubaram dos negócios da minha família! É inacreditável como ainda há pessoas sem qualquer noção de perigo nesse mundo!

Volto a atenção para o homem que Lamar mantém prisioneiro. Certamente é o chefe do bando, reconhecível pelo grosso colar de ouro e demais apetrechos que usa, nada discretos e de gosto duvidoso.

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