Eu conseguia ouvir as botas dos policiais se chocarem contra o chão, e cada vez eu sentia o cheiro deles mais perto de mim. Tomei um impulso, inalando todo oxigênio que podia estocar dentro dos meus pulmões enquanto mastigava o último pedaço de Donuts com creme de frutas vermelhas.

Cortei a primeira rua que vi, atraindo a atenção dos demais e costurando as pessoas para que esse movimento atrasasse um pouco os passos dos policiais.

E funcionou. Virei vagamente a cabeça percebendo que nossos corpos haviam se distanciado mais. Coisa um e coisa dois, eu os chamei mentalmente. Teria que ser ligeira, pois o primeiro era dono de um corpo atlético, mas se tudo fosse como estava nos meus planos, logo o coisa dois se cansaria, pois de longe dava para sentir o cheiro de açúcar de confeiteiro e uma vida nada ativa em relação a exercícios físicos.

O sinal fechou, permitindo que eu conseguisse atravessar em segurança a Avenida 27, a mais movimentada de Manhattan. Pulei um táxi amarelo, onde o dono do veículo me xingou aos berros pela marca que meus All Stars deixaram na lataria do veículo. Talvez isso o incentivasse a limpar o carro com mais frequência, pois pra ficar sujo precisava ficar muito limpo ainda.

A fachada de uma loja espelhada me deu a visão que eu tinha conseguido me afastar mais ainda, mas para o meu azar, minhas pernas me levaram para uma maldita rua sem saída. Travei meus pés no chão por instantes, olhando para o lado como um gato sorrateiro pensando na única escolha que eu teria. O policial coisa um estava se aproximando sozinho como previa, e foi então que eu percebi a madame totalmente a mercê do que acontecia ao seu redor, parada em frente seu Audi com uma cara nada alegre no telefone. Ela estava usando um vestido vermelho colado ao seu corpo, e à medida que eu me aproximava, notei que ela era alguns centímetros mais baixa, então seria como pegar doce de uma criança indefesa.

Peguei sua bolsa, atraindo uma atenção assustada de sua parte. Meu propósito não era assaltar a ricaça, e sim usar aquele material de tecido aveludado para ganhar mais tempo. Então eu fiz. A mulher gritou buscando ajuda do policial, é claro. Encostou na lataria do carro como se isso fosse a proteger de algum perigo. O policial coisa um gritou algumas ordens mas tudo o que fiz foi atirar a bolsa, mirando com maestria em seu rosto. Ele parou com o impacto, dando três passos para trás pelo peso que atingiu seu nariz, o que me deu dois segundos de risada pela cara inesperada que o imbecil de farda fez, mas minha alegria foi cortada pelos grandes braços que me agarraram por trás.

Olhei pra cima e bufei irritada por ver o coisa dois com uma cara orgulhosa, parecendo ter capturado o maior pedófilo procurado pela Interpol, no entanto o inútil só havia pego alguém que tinha saído de uma padaria sem pagar as rosquinhas.

O coisa um era atlético e poderia me perseguir por quilômetros sem que lhe faltasse ar, mas o coisa dois sabia usar a estratégia ao seu favor e puta que pariu, quem conhecia as vielas de Manhattan daquela forma?

— Acho que acabou pra você, garotinha. — O coisa dois disse. Ouvi as algemas prenderem meus pulsos e logo o coisa um se aproximou de mim. — Eu disse que daria certo. Manhattan tem muitos becos, parece um jogo de tabuleiro em formato de labirinto.

— Tá feliz pelo seu Xeque-Mate, grande filho da puta? — rosnei, virando meu rosto para ele.

— Se não quer adicionar mais uma delito em sua ficha, melhor parar por aqui. — o coisa um disse.

Logo ouvi o barulho que mais desprezava na face da terra. A sirene do carro da polícia. Eu não acreditava que depois de tudo iria presa por um pedaço de massa recheada com um buraco no meio. Se me contassem isso eu pelo menos teria ido assaltar um banco, seria menos vergonhoso.

— Dona, eu sinto muito pelo ocorrido. — a mulher se aproximou e o policial coisa um entregou a bolsa de veludo em suas mãos.

Era só ter um corpo atraente, uma vida visivelmente confortável que esses inúteis trancavam as pregas por não saber se estavam falando com uma dona rica que acabara de trair seu marido, ou com uma desembargadora poderosa. Patéticos.

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