09 | Passado, Presente e Encantados

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Desviei o olhar para meus pés cobertos pelas meias do homem de ferro e afundei a língua na bochecha, incomodado com a narrativa do Jeon.

ㅡ Os pais cometem inúmeros erros, Jimin. Desejamos o melhor para os nossos filhos de maneiras cruéis, os restringindo do mundo ou dando a eles uma liberdade sem limites que muitas vezes os carrega 'pra um poço fundo, porém, como filhos, devemos saber o que queremos antes da vontade dos nossos pais... ㅡ o moreno fez uma pausa, recuperando o fôlego e procurando pelos vocativos corretos. ㅡ Pais não são heróis e nem vão nos salvar quando estivermos caindo, pirralho. Conduza sua vida como quiser... E, depois, se por um acaso eles não aceitarem suas escolhas, estarei de braços abertos 'pra te acolher.

Jimin abraçou Junghyun, jogando-se contra o corpo robusto e suspirei, comovido com a cena. O Jeon mais velho, embora fosse cético acerca da veracidade das constatações, era um excelente pai, cumprindo seu papel com maestria. Por vezes, eu acreditava que entre o humano e Sunmi, o coração de mãe abrigava-se no peito do homem, acolhendo tantas crianças e adolescentes como seus, dando-lhes suporte, incentivo e, sobretudo, amor.

Fitei Banana sentado no corrimão e sorri labial, indicando o topo da escada. Me movendo vagarosamente para não causar ruídos, arrastei os pés até a porta do meu quarto, empurrando a maçaneta devagar, não almejando dispersar o diálogo dos humanos e acendi a luz, observando Nana se teletransportar para perto de Amora, a qual levantou a cabeça, miando alto ao me enxergar.

Acariciei o espaço entre as orelhas felpudas, ouvindo a felina ronronar e tirei a jaqueta, deixando sob a cama, ao passo que digitava o telefone da mamãe novamente, me conduzindo para a varanda, apertando o aparelho contra a cartilagem, apreensivo com sua demora a delonga da Lee em atender.

O céu encoberto por nuvens onustas, escurecia antes do previsto e as lâmpadas dos postes espalhados pela calçada ligavam uma a uma, originando uma atmosfera sobrenatural somada a ventania, que trazia qual alçava a poeira, formando pequenos redemoinhos no asfalto, confortando meu interior à custa da familiaridade do cenário. Entretanto, tombei o pescoço, vislumbrando a figura suspicaz de um encapuzado, os olhos sanguíneos encaravam meus semelhantes à medida que o sorriso crescia, evidenciando uma cicatriz profunda nos lábios escuros.

O celular deslizou por meus dígitos, estrugindo em meio o farfalhar das árvores remanescentes na paisagem urbana e cravei as unhas no ferro do guarda-corpo, as palmas queimando conforme o fogo púrpura atravessava a derme, numa emissão de autodefesa descomedida provocada pelos instintos profundos do cerne. O desconhecido espelhou o meu ato, abrindo a boca para pronunciar palavras mudas em uma linguagem incapaz de ser interpretada na distância e mostrando os dentes alinhados, arregalei os lumes ao vê-lo ser consumido por chamas escuras como o breu, as íris brilhando na morte iminente.

Um raio rasgou a penumbra e pisquei inúmeras vezes, procurando afoitamente pelo encapuzado quando sua presença se desfez.

Onde antes jazia seus pés, caído no chão de concreto, um objeto de contas cintilava sob a luminescência artificial. Uma pontada repentina na fronte me obrigou a cerrar as pálpebras, o latejar na cabeça causando o almejo por jogar o conteúdo do estômago fora.

A campainha repercutiu na residência e sobressaltei, todavia, desviar o olhar do rosário tornou-se um trabalho árduo e me afligi quanto à atenção depositada na peça religiosa, prendendo-me sem haver uma escolha. Inerte a respeito dos meus atos, respirei profundamente, o pulso direito ardendo tal qual o inferno e saí do cômodo, guiado pelas vozes que insistiam em reverberar na minha mente, me extraindo da realidade.

Tão logo notei, estava no casulo, as vibrações sonoras, as quais soavam da minha garganta, retumbando nos tímpanos. Sentia o corpo flutuando na maré alta da ilusão e o cheiro de hortelã impregnando todo o ambiente ㅡ tal qual as roupas que cobriam meu corpo e possivelmente, cada poro da minha pele ㅡ, era o único elemento real em que poderia me agarrar.

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⏰ Última atualização: Apr 05 ⏰

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