Helena
O encontro com Everton não me saiu da cabeça por todo o tempo em que permaneci no café. O que ele havia me contado sobre meu tio, sua história sobre a morte dele. Tudo aquilo poderia ter um fundo de verdade, afinal, por que ele inventaria algo daquele estilo?
No caminho para casa, Zé vinha correndo e brincando na nossa frente, quando parou em um canteiro, onde havia algumas flores plantadas. Como estava alguns passos à nossa frente, ele virou a cabecinha em nossa direção, olhou para a mãe e depois para mim, e só então, com muito cuidado e parecendo realmente saber o que fazia, o que me surpreendi, ele tirou uma florzinha.
Após fazer isso, voltou correndo na nossa direção e me entregou a flor que havia tirado. Era uma espécie pequena, amarela e delicada.
— Para mim? — Abri um sorriso para ele.
— Sim. Igual a da mamãe. E como o dindo me ensinou, eu não tirei para machucar, tirei para dar para uma princesa. — Neste momento ele olhou para a mãe, buscando uma aprovação. Ela apenas deu um sorriso e um aceno com a cabeça. — Agora ela é como a Branca de Neve, e você como a Bela, puquê é amarela igual o vestido dela.
Olhei para Flávia e ela apontou uma rosa que estava posicionada em uma argolinha na bolsa que ela trazia ao lado do corpo.
— Isso mesmo, meu amor. — Flávia disse se abaixando e dando um beijo estalado na bochecha dele.
Assim que ela o soltou, me abaixei sobre meus joelhos e lhe dei um abraço agradecendo.
Assim que o soltei, ele voltou a andar saltitando pela calçada, em direção à casa que já estava a vista.
Olhei para Flávia que tinha um sorriso enorme no rosto olhando para o filho.
— Ele é um menino de ouro.
— Ele é sim. O meu maior tesouro.
— É uma criança muito especial. Mas quem é o dindo que ele falou?
Flávia olhou para mim, desfazendo o sorriso que estava no seu rosto.
— É o padrinho dele. Só o chama assim.
Estava pronta para fazer outra pergunta, mas ela apressou os passos, para alcançar Zé que já estava no portão da casa. Ela destrancou a porta e entrou, sem muitas delongas.
Assim que entramos, Zé foi em direção à sala, onde tinha vários brinquedos dele espalhados no chão.
— Quer brincar comigo? — Ele me olhou erguendo um dos carrinhos e ficou esperando.
— A tia vai ajudar a sua mamãe, e depois brincamos, tudo bem?
Ele ficou visivelmente chateado, mas não reclamou, então segui para a cozinha, para ajudar Flávia.
— Eu separei o quarto que você vai ficar, está tudo pronto. Se quiser mudar alguma coisa, fique à vontade.
— Imagino que esteja perfeito como estiver.
Lavei a mão na pia e um silêncio recaiu sobre nós duas. Era algo um pouco constrangedor, já que não tínhamos uma amizade para falar de qualquer assunto.
Flávia começou pegando alguns legumes na geladeira e colocando sobre a bancada. Caminhei até ela, pegando a cenoura e levei até a pia para lavar.
— Temos que ver como vamos fazer com as despesas da casa — falei entretida com a água que escorria por minha mão.
— Você acha que vai precisar? Eu posso te pagar o aluguel que você estabelecer. Ou se preferir, posso procurar outro lugar para morar.
— Não, por favor. — Virei-me rapidamente em sua direção, explicando o que havia dito. — Não é nada disso. Já combinamos que você mora aqui pelo tempo que precisar. Eu sou mais uma visita aqui, do que você. O que eu estou falando, é nas despesas, que você não pode pagar sozinha.
— Mas eu sempre fiz isso, e sozinha. Não há problema nenhum.
— Sim, mas agora eu moro aqui também. E tenho que ajudar. Você tem uma amiga, não só um filho. — Olhei para ela tentando passar todo o carinho que queria. Eu realmente estava gostando muito dela, e podia vê-la como uma grande amiga.
— Podemos ver isso, então. — Ela me retribuiu o sorriso.
— Começarei a procurar por empregos amanhã mesmo.
Voltei minha atenção para os legumes, desta vez começando a picá-los.
— Você não escreve mais? — Olhei para ela surpresa por saber deste meu lado profissional. Eu não era lá muito famosa, e depois que meu pai ficara doente, tive que parar com a escrita, e assim perdi um bom publico com o tempo. Assim que ela entendeu minha expressão curiosa, explicou-se: — Ramos sempre falava de você, e como escrevia bem. Ele lia todos os seus livros.
Aquilo era uma surpresa para mim. Aquele homem que eu mal me lembrava me amava sem nem ter tido a chance de me falar isso.
— Eu nem sei o que dizer. Ele parecia gostar muito de mim.
— Gostava sim. Muito. Mas me conta — ela mudou de assunto —, Você tem alguma área que tem interesses?
— Eu sou formada em comércio exterior, mas acredito que aqui não vai ter muito serviço nessa área, então eu vou fazer uma busca geral. O que vier, é lucro.
— Vou dar uma pesquisada também, talvez com indicação, você consiga algo mais rápido.
— Eu agradeceria muito.
Ficamos em silêncio por um tempo, cada uma focada em uma atividade, e nesse período, minha cabeça começou a pensar em tudo o que estava acontecendo.
Era uma vida nova que eu estava presenciando, mas ao mesmo tempo era como voltar ao passado, descobrir sobre uma pessoa que me amara tanto, e eu nem ao menos me lembrava dele. Por tudo o que já tinha ouvido falar, Ramos parecia ser um homem muito querido naquele lugar. E isso me remeteu novamente à conversa que tive com Everton, então resolvi perguntar a Flávia, talvez ela soubesse me falar mais sobre aquilo.
— Se eu te perguntar uma coisa, você me responde? — Estava meio insegura.
— Depende do que for.
Respirei fundo, preparando-me para o assunto.
— Everton me falou sobre um tal de Nikolas, que roubou o meu tio. Alguma coisa assim. Eu percebi que você não se dá muito bem com ele, mas sabe me dizer se isso é verdade, e quem é esse homem.
— O que tem o dindo? — Zé surgiu na porta da cozinha, parecendo distraído, mas a sua pergunta era dirigida a nós.
Flávia olhou para ele, e depois para mim, e só então que minha ficha caiu. Nikolas era o padrinho dele.
— É a mesma pessoa, esse Nikolas e o padrinho do José? — perguntei para confirmar, e Flávia apenas confirmou com a cabeça. — E quem ele é? É verdade essa história de roubo?
— Olha, eu gostaria de tirar todas as suas dúvidas e contar tudo sobre Nikolas, mas ele não gostaria disso. Então eu não posso te dizer nada.
Minhas sobrancelhas se arquearam, tentando entender o que ela dizia.
— Mas... quem é esse homem?
Flávia me olhou com os olhos pequenos e um vinco entre as sobrancelhas, como se estivesse com pena de mim.
— Desculpa mesmo, mas eu não vou te falar nada sobre ele.
Eu ficava cada vez mais curiosa sobre aquele homem.
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A Herdeira e a Fera
RomanceEu nunca imaginei ter minha própria história de conto de fadas. Principalmente depois que tudo começou a dar errado. Depois de herdar uma casa de um tio, me mudei para uma cidade pequena. Assim que cheguei, me avisaram que eu deveria odiar Nikolas S...