Capítulo 3

5.6K 831 65
                                    

Nikolas

Cortei um dos galhos secos da roseira e coloquei sobre o carrinho que trazia comigo. Fazer aquele trabalho me acalmava enquanto eu pensava na vida. Podar o meu canteiro de rosas era praticamente uma terapia.

Naquele momento, por exemplo, tirando um galho seco, para que não atrapalhasse o crescimento de novos brotos. Era como a vida. Precisamos podar o que já não nos faz bem, para que possam nascer coisas novas naquele lugar. E era justamente nisso que eu pensava enquanto fazia o serviço.

Arranquei mais um galho seco e com muito cuidado tirei uma rosa. Era uma das brancas, linda. Estava toda aberta. Tirei os espinhos, o que me fez novamente pensar no quanto uma pequena rosa poderia simbolizar tantas coisas se soubéssemos analisar.

Levei a flor à ponta do nariz, inspirando o seu perfume. Cheguei a fechar os olhos.

Aquele cheiro era agradável e me trazia muitas recordações. Principalmente da pessoa que me ensinara a magia de todo aquele cheiro, a extração de cada nuance delicada de uma flor para transformá-la em um produto, em literalmente, um perfume.

Eu tinha uma pessoa própria para cuidar daquela parte do meu jardim, mas às vezes gostava de eu mesmo fazer aquilo, da forma manual e mais delicada que Ramos me ensinara.

Enquanto ainda estava com o nariz encostado na flor, lembrando-me de um velho amigo, uma voz fez com que eu levasse um susto. Abri os olhos na hora e afastei a flor.

— E ainda tem quem diga que você é um homem frio... Só quem não conhece esse seu lado, fala isso — Flávia falou enquanto se aproximava.

Um vinco se formou na minha testa enquanto erguia os olhos para ela.

— Você não pode julgar uma coisa apenas pelo que vê — usei o tom de voz rouco e Flávia arqueou uma sobrancelha.

— Você pode enganar muitas pessoas. Essa cidade inteira, mas eu sei quem você é. — Ela deu um sorriso de lado.

Olhei da rosa para Flávia e a estendi para minha amiga, o que fez com que ela ampliasse o sorriso, ficando um pouco vermelha.

Apesar de tudo, aquilo era uma verdade. Aquela cidade não me conhecia. Talvez nem eu mesmo me conhecesse mais. Mas Flávia era uma pessoa que conseguia me compreender como ninguém.

— Dindo... — Uma vozinha fina e falha ecoou no meu ouvido, e logo atrás de Flávia surgiu um par de braços apertos, logo depois Zé correu para o meu colo, pulando em mim assim que estendi minhas mãos para ele.

— Como está meu bebê? — perguntei assim que ele estava no meu colo, com seus cabelos lisos caindo nos olhos. Ele usou os dedos sem delicadeza nenhuma para jogar os cabelos de lado e me abriu um sorriso.

— Eu não sou mais bebê, dindo. É Zé.

— Ah, claro, porque você já é um homem, do meu tamanho.

Segurei-o apenas com um braço e dobrei o outro, mostrando o muque para ele. Não que fosse uma coisa da qual eu me gabasse muito, mas eu mantinha uma rotina de treino na academia da minha casa, e conseguia manter o meu corpo muito bem.

— Não sou do seu tamanho, porque eu ainda sou criança, mas eu não sou bebê. — Ele fez um bico e me fez abrir um leve sorriso.

Aquela criança era a única que ainda conseguia fazer uma mágica daquelas. Talvez isso fosse muita responsabilidade para ombros tão pequenos como aqueles, mas Zé se tornou a minha felicidade ambulante depois de tudo o que havia acontecido comigo.

A Herdeira e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora