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"Eu sinto demais, me desculpo eu faço errado
Ser de verdade tem um preço, eu sempre pago."

Áudio de desculpas — Manu Gavassi

Bianca fechou os olhos por instinto antes de cair pela quarta vez naquela tarde.

Ela bufou, rolando na pista de skate até conseguir se sentar. Apreensiva, avaliou o estrago: o joelho estava ainda mais machucado que antes, a aparência terrível, a pele latejando e implorando por socorro.

Por mais que fosse o que deveria fazer, a jovem não queria voltar para casa. Por que o faria? Para ouvir mais uma série de sermões entremeados a discussões que não deveriam chegar aos seus ouvidos, mas já era tudo que ela se acostumou a ouvir dos pais?

A criança que brincava ao seu lado balançou a cabeça e abriu um sorriso cheio de dentes faltando, desdenhosa, exibindo sua habilidade de ficar sobre o skate quando Bianca caíra diversas vezes. Era um pouco humilhante que alguém com uns dez anos a menos conseguisse ficar em pé por mais tempo, mas ela fechou a cara mesmo assim, esperando que a menina parasse de se exibir.

Quando ficou bem claro que não conseguiria voltar a andar de skate naquele dia, Bianca recolheu o objeto e se sentou em um dos bancos externos à praça. Contra a vontade, mas ciente de que era o que deveria fazer, ela pegou sua garrafa de água e despejou sobre os joelhos, tomando cuidado de não encostar nos ferimentos com a mão suja. Ardeu tanto que ela sentiu lágrimas nos olhos, mas se recusou a derramá-las.

Bianca respirou fundo, mentalizando o que havia se transformado em sua luz no fim do túnel desde que a ideia fora concebida: a viagem das férias, a brisa refrescante que extinguiria por um tempo todo o seu sufoco. Ela e quatro amigos passariam doze dias na estrada, percorrendo parte de Minas Gerais antes do começo da próxima etapa de suas vidas.

Ela não diria a ninguém, mas estava com um pouco de medo. Quando tinha a escola como única obrigação era fácil saber o que fazer, de certa forma; o ensino médio podia ser um inferno de tão traumatizante, mas ela não tinha o peso da vida adulta sobre seus ombros. Agora ela já era maior de idade e a coisa que a acompanhara por mais tempo, a escola, saíra da sua rotina para sempre.

A garota sentiu o frio na barriga que sempre a invadia quando pensava no assunto. Como se viraria em Ouro Preto sozinha, sem os amigos ou os pais, quando todo mundo insistia em atestar sua irresponsabilidade? Quando nem ela mesma acreditava que conseguiria?

Bianca engoliu o choro, tentando se convencer de que o bolo na sua garganta era proveniente da dor do machucado. Doía, é claro, mas ia muito além disso e ela sabia bem. Só queria fugir de toda a apreensão e responsabilidade que a perseguiram naquelas férias e a viagem seria perfeita para isso. Ela concentrou todos seus pensamentos nela, nos preparativos e nas conversas com os amigos.

Ela era a mais animada, como seria de se esperar, explodindo de ideias de passeios e alegria toda vez que tocavam no assunto. Lívia e Henrique também estavam empolgados do seu jeito calmo, planejando meticulosamente tudo que envolvia a viagem. Marina era a única que frequentemente torcia o nariz quando o tópico vinha à tona.

Mas Bianca entendia. Passar doze dias dentro de um carro com seu ex-namorado não era exatamente a definição de paraíso, principalmente porque ela e Vitor não se separaram em bons termos.

Bianca não tinha muitas notícias dele. O primo de Henrique morava em Araxá e, por isso, eles fariam uma parada na cidade para pegá-lo antes de seguir para Belo Horizonte. Sabia que ele vivia postando fotos de trechos de livros na internet, que não falava muito de si, era impressionantemente bonito e o melhor amigo de Henrique. Costumava ser parte do grupo — eles eram um quinteto! Como Bianca ficava surpresa quando pensava nisso! —, mas sua mudança mudou em definitivo a dinâmica entre eles.

Interlúdio | CONCLUÍDAWhere stories live. Discover now