Capítulo18- Carnificina

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— Deixe que descansem em paz, sem ter pessoas os abrindo e dissecando. Esses pobres animais não precisam de mãos profanas atormentando seu descanso.— A voz do senhor parecia tranquila, sem a carranca no rosto, muito menos os ombros tensos de antes.

Aaron saiu do carro, batendo a porta com força. A atenção foi imediatamente chamada para ele.

— Não estou me sentindo muito bem, podemos ir pra casa? Acredito que não vai adiantar muito estarmos no momento se nenhum de nós sabemos cremar corpos.— O tom ríspido do lenhador fez até mesmo Vanessa franzir a testa, era novidade vê-lo incomodado por motivo algum.— E a detetive precisa descansar, ainda está em recuperação.

— Claro, eu posso levar vocês de volta. Mas, oficial Pinheiro, posso saber seu pensamento a respeito disso?— Martin apontou para o rio. Os corpos pararam de descer, mas a passagem já estava obstruída o suficiente.

— Meu ponto de vista vai mudar o seu julgamento? — Vanessa perguntou disfarçando o desprezo que sentia em um tom de voz calmo. O silêncio que recebeu como resposta foi esclarecedor. — Se não vai me ouvir eu prefiro não falar.

Com um simples gesto com a cabeça a detetive encerrou o assunto, adentrando a viatura logo em seguida para não precisar continuar encarando aqueles homens. Martin soltou um suspiro pesado, dando alguns tapinhas no ombro do lenhador.

— Ela tem um temperamento difícil, deve te dar um trabalho daqueles na... — O final da sequência foi abafado pelo barulho da buzina que estava sendo pressionada agressivamente. — É melhor obedecer.

Aaron apenas concordou com a cabeça, entrando no carro assim como todos. A viagem de volta foi silenciosa e desconfortável. Vanessa manteve o braço cruzado agora que não usava mais a tipoia, e Martin não parava de olhar para a detetive com a visão periférica, como se quisesse perguntar algo. Aquele não era um bom momento para algo delicado.

Ao chegarem novamente no chalé calmo e escuro, Aaron fez questão de levar Vanessa pelos arredores. Desde cedo a mulher não havia parado de pensar sobre o medo de seus amigos, e sabendo disso, o lenhador a acompanhou por cada canto do vasto terreno.

— No fim, eram mesmo os animais. — Vanessa concluiu se sentando na poltrona de estofado marrom. — Eu poderia começar a te dar ouvidos de vez em quando, nem tudo o que diz é baboseira.

Encostando a cabeça contra o apoio, a detetive fechou os olhos por alguns segundos, mas seus pensamentos foram tomados pela lembrança desagradável dos corpos sem vida espalhados pelas margens do rio.

— Você acredita em maldições? — O tom de voz da oficial era vago, não sendo o suficiente para prender a atenção do lenhador que estava imerso em seu desvaneio. — Preciso tentar entender o ponto de vista de alguém que tenha crenças.

— Sou ateu.— O lenhador respondeu de forma direta.— Assim como boa parte da população, mas eu prefiro respeitar os animais e a natureza. Eles são o meu sustento e seria hipocrisia desfazer de tudo isso.

Ele ainda mantinha o olhar vago de quem estava atordoado. Logo se dirigiu até a cozinha, enchendo uma caneca com água e a bebendo sem dar uma pausa.

— E acima de tudo, acho que se um ser humano é capaz de fazer isso com seres inocentes, ele já perdeu sua humanidade.— Se apoiando na pia, ele procurou manter seus pensamentos fixos em algum ponto específico. A imagem do rio não saía de sua mente, e o atormentava por algum motivo.— Passaram dos limites...— O lenhador sussurrou para si mesmo, encarando a janela embaçada à sua frente.

"Então nós temos o mesmo ponto de vista" Vanessa pensou torcendo os lábios, jamais concordaria com o norueguês em voz alta. Por fim de encerrar aquela conversa, ela desviou sua atenção do homem na cozinha.

Durante os minutos que passou sozinha a detetive tentou se distrair enviando mensagens no grupo que havia sido criado por seus amigos, mas elas nem mesmo foram visualizadas. Talvez fosse um bom sinal, eles deveriam estar se divertindo.

Descartando a possibilidade de continuar recluso tendo uma pessoa sob seus cuidados, Aaron se forçou ignorar suas vontades. E no momento em que colocou os pés na sala algumas batidas na porta anunciaram a presença de mais alguém.

— Não está cedo para eles voltarem? — Vanessa questionou ao mesmo tempo em que se levantou para atender. No entanto, toda a sua animação se esvaiu quando ela encarou o visitante. — Ah, é você...

— Precisamos conversar...— Martin comentou, encarando o loiro parado na sala.— A sós.

Vanessa estreitou os olhos por alguns segundos, mas logo acenou positivamente com a cabeça, saindo da casa e fechando a porta atrás de si.

— Eu não deveria ter feito isso, mas eu não concordo com o que nos foi passado.— Ele abaixou o tom de voz, encarando o seu redor.— Eu retirei um dos corpos e encaminhei para a necrópsia. Aquilo definitivamente tem mãos humanas. — Martin coçou o próprio bigode, respirando fundo.— Não estou te contando isso para dizer que talvez tenha razão, e sim para ter mais cuidado. Se fizeram com animais...imagina o que fariam com quem descobrir.

Em um pico de euforia, Vanessa golpeou o braço direito do delegado com toda a sua força. Era difícil julgar de maneira positiva uma atitude tão agressiva, mas o sorriso mínimo estampado em seus lábios revelavam suas reais intenções.

— Quase me convenceu de que havia se vendido para um político qualquer! Eu sabia que você não havia perdido a mão firme! — Ela comentou ignorando todas as ofensas que havia despejado sobre seu colega durante a viagem na viatura. — Irei manter a discrição sobre esse caso! E não precisa se preocupar o tempo todo, sei me virar bem sozinha.

Estendendo a mão, a detetive pediu para ver o documento entregue pela clínica veterinária para onde o corpo havia sido encaminhado. Seus olhos brilhavam a ler cada uma das linhas. Ela parecia ter se esquecido que havia tomado um tiro a pouco menos de uma semana, mas Martin jamais conseguiria.

— Eu preciso perguntar apenas uma coisa: você confia no Strøm?

A pergunta do delegado havia sido tão direta que puxou a atenção por completo da mulher, finalmente a fazendo olhar para cima. Martin deu de ombros, como quem não quer acusar nada, mas encarou a janela da cozinha com vidro fosco, olhando com atenção para dentro.

— Tome cuidado para não se envolver romanticamente, sabe. Isso coloca um grande alvo tanto nas suas costas quanto das pessoas que estão relacionadas a você.— Ele apontou com o queixo em direção ao braço com ataduras que Vanessa havia tentado esconder com a jaqueta.— Até mais, Oficial Pinheiro.

O tom usado no comentário do delegado foi o suficiente para desfazer o sorriso no rosto da detetive. Martin percebeu a mudança brusca, mas não tinha a sensibilidade necessária para tentar entender seu erro ou se desculpar.

— Obrigada pelo conselho, Oficial Spinoza. — Vanessa não fez questão alguma de esconder o desprezo que estava sentindo. — Espero que os nossos assuntos se encerrem o quanto antes. É impossível trabalhar com você.

Dando as costas, a mulher voltou para dentro do chalé batendo a porta com força. Preferia lidar com ressentimento do que colocar o que estava sentindo em palavras. Jamais demonstraria o quão fraca poderia ser emocionalmente

Sentado com uma postura impecável no sofá de centro, Aaron estava esperando com as orelhas em pé. Era péssimo em esconder sua curiosidade.

 Como tinha o resto do dia livre, gastaria sua folga toda para tentar arrancar algo da detetive.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Apr 14, 2022 ⏰

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