• Isamélia •

4.8K 481 243
                                    

A cada passo dado, Isa deixava pedacinhos de sua sanidade pelo caminho. Não por ser louca, longe disso. Ela não era louca. Embora sua estabilidade emocional não fosse algo tão estável assim, Isamélia tinha certeza absoluta que não era louca.

Isa Albani só estava sendo perseguida pelo Azar em pessoa.

Uma semana antes, ela entrou pela primeira vez no antiquário da senhora Delfina. O lugar era proibido pela matriarca de sua família, Daise Albani, com quem aprendeu todos os pequenos feitiços que usava para fazer brincadeiras inofensivas, mas que jamais poderia passar disso. Um lugar como o antiquário era território expressamente não autorizado para qualquer membro de outro clã, mas naquele dia a curiosidade de Isa falou mais alto.

Sentiu o cheiro forte de incenso assim que passou pela porta de madeira e vidro. Um sino tocou acima de sua cabeça a fazendo sobressaltar para frente.

"Salvia", ela pensou, "Definitivamente isso é salvia".

As altas prateleiras de madeira e os itens antigos chamaram sua atenção como nada naquela cidade monótona havia chamado. O lugar todo parecia muito maior por dentro do que se via pelas vitrines. O caixa no centro da loja, mais ao fundo, estava vazio. Era melhor assim, entrar e sair sem que fosse notada.

A loja parecia um labirinto com estantes velhas e móveis antigos reformados. Havia todo tipo de artigo místico espalhado pelas prateleiras. Isa tocava rapidamente nas coisas, apreciando e procurando sinal de alguém no fundo da loja em seguida.

Se viu perdida entre as estantes de livros enfeitada por cristais de vários tipos, cores e tamanhos. Levantou os braços para alcançar as lombadas dos livros com as pontas dos dedos. Eram títulos comuns demais e que não combinavam com o lugar, nem com a fama de Delfina.

As pontas de seus dedos vibravam a cada livro tocado e o coração acelerava um pouquinho mais toda vez. Até que a sensação se tornou pesada, quase claustrofóbica, e Isa, assustada, vendo que não tinha sido notada, escapuliu para fora da loja às pressas.

E desde então ela não esteve mais sozinha.

Ele era alto, silencioso e sempre estava nas sombras. Era a primeira coisa que Isamélia via quando acordava e a última coisa que se lembrava antes de dormir. Por vezes, Isa podia jurar que os olhos dele mudavam de cor. Iam de um azul mais claro que o céu para o verde como os das folhas naquela primavera. Alguns dias eram serenos, como os de um anjo; em outros, carregava um sarcasmo que ela associava aos demônios das histórias contadas pelos cidadãos comuns, os não-mágicos de Belalís.

Em sete dias, sua vida perfeita e confortável se transformou em um pequeno caos.

No primeiro dia, ela foi substituída na posição de representante de classe pela melhor amiga. No segundo, um princípio de incêndio no seu quarto arruinou seu trabalho para a feira de ciência produzido incansavelmente por três semanas e que deveria ser apresentado no dia seguinte. No terceiro dia, ela descobriu que não apenas estava sendo traída pelo seu namorado perfeito, como ele a estava traindo com sua melhor amiga perfeita, Bruna. No quarto dia sua mesada foi cortada por sua mãe ao descobrir que a filha havia entrado no antiquário da bruxa Delfina. No quinto, foi a vez do tombo épico na frente do colégio inteiro que lhe rendeu vários vídeos boomerangs espalhados pelas redes sociais. No sexto dia, ter os dois pneus de sua bicicleta estourados no meio do caminho para escola só completou sua exaustiva semana de azar.

Isa mal podia esperar pelo que aconteceria no sétimo dia.

Ela pode ver um vislumbre do Azar quando adentrou, atrasada, a escola e notou que todos os outros alunos já tinham entrado nas salas de aula.

— Sério mesmo? — Ela sussurrou para ele.

O Azar apenas fez um movimento com os ombros. Isa revirou os olhos e caminhou em direção ao esporro que levaria assim que chegasse na aula. Entrou na escola pela porta da frente, que estava sem supervisão alguma, e se apressou pelo extenso corredor rumo a escada que dava acesso ao andar superior onde as salas de aulas ficavam. Antes que chegasse nos degraus, Isa foi surpreendida pelo barulho de uma agitação distante. Desviou de seu destino e apressou seus passos em direção a origem das vozes discutindo, passando pelo pátio, em direção a quadra de esporte coberta. Viu o que estava acontecendo e não pensou antes de agir. Isa não sabia que tinha força suficiente para acertar um soco em um garoto tão mais alto que ela. Muito menos que seu soco o faria curvar para frente desnorteado e cair de joelhos no chão.

Ela viu de relance o Azar quando notou quem tinha acertado e no que havia se envolvido.

O sétimo dia, de longe, seria o pior de todos

Clube do AzarOnde as histórias ganham vida. Descobre agora