OITO

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Henry Lycan vagava na noite estrelada. Sua visão apurada lhe permitia enxergar até o menor dos insetos. As orelhas de felino se mantinham sempre para cima. Os grilos cantavam ao longe. As sombras quase cobriam as árvores, que dançavam ao vento. Ele estava fugindo

Mais uma vez....

Mas ele prometeu que aquela seria a ultima vez que deixaria o seu irmão mais velho fazer o que quisesse com ele. Chega de se humilhar, chega de se esconder, chega de tirar a roupa.

Os homens maus não vão me pegar.

Estava completamente sozinho ao luar. Mesmo com seis anos, sabia como sobreviver. Sabia aonde encontrar comida, quais as frutinhas eram venenosas, já viu o irmão caçar, e principalmente, aonde os homens maus costumavam ficar.

Se ver fumaça quer dizer que eles estão perto

Se sentir o cheiro de couro e terra, significa que ELE está perto.

Mas o frio de primavera veio. Ele não estava com as roupas apropriadas, pois havia fugido quando seu irmão pegou no sono. Vestiu a cueca (a mesma que o seu irmão tirava sem a permissão dele), uma blusa com botões (que colocou apressadamente, mas seus dedos pequenos sentiam dificuldade em encaixar o botão no buraco). Seu irmão se virou para lado direito da cama, estava quase acordando. Então o garoto pegou a primeira roupa de baixo que viu, mas infelizmente era um short curto, que ele só usou nos verões, antes do seu irmão tirar a inocência dele.

Os dentes tremeram. Os bigodes de felino balançavam. Tentou se aquecer com os braços. Continuou caminhando até chegar em uma clareira. Havia uma árvore no meio, com pedras ao redor. Os barulhos agudos e irritantes dos grilos pareciam mais altos, ou só estavam mais perto de Henry. O garoto ainda não tinha a noção de profundidade, não quando se tenta tampar os ouvidos enquanto seu irmão grita com você porque você é diferente de todo mundo. A voz irritante dele ainda penetrava em suas orelhas

"Não vai doer, eu prometo"

PARA DE PENSAR NISSO!

Os homens maus não vão me pegar

Henry parou. Sentiu um calafrio percorrer sua espinha. A clareira de repente estava silenciosa. Sentiu-se desprotegido. Poderia correr se precisasse. Ele era uma criança totalmente sozinha. Se imaginou ao lado do irmão, quando ele ainda era o irmão que Henry se lembrava, o que assava os restos de marshmellows (provavelmente vencidos) na fogueira, o mesmo irmão que o salvava dos homens maus. Então, um súbito pensamento veio na mente do garoto.

E se eu voltar?

Não! Você prometeu

Sabia o caminho de volta para casa, e era só questão de tempo para que seu irmão o encontrasse. Balançou a cabeça e continuou andando até a tal arvore. As suas pernas tremiam enquanto o vento gelado batia nelas. Foi aí que escutou:

Piii piiii

Era um rato de pelagem branca, escondido entre as pedras. O animal tinha o cheiro da mata: um tom amadeirado e agridoce. Já havia comido ratos algumas vezes, mas não gostava do gosto borrachudo. Mas comida é comida, e não dá para negar a fome. Lembrava de como o seu irmão colocava-os delicadamente em um graveto e enfim levava ao fogo, sempre deixando a "melhor" parte para Henry.

Eu não vou voltar

O rato saiu das pedras e andou na grama, sentindo o frescor da primavera. Henry colocou as garras para fora. A sensação eram como cosquinhas nas unhas. Gostava de sentir aquilo, porque lhe dava liberdade, algo que ele não tinha há muito tempo. Arqueou o corpo. Vislumbrou atentamente o pequeno animal, andando com as quatro patas. Henry colocou uma perna na frente da outra, pronto para dar o bote. Trancou a respiração. Pulou sob o animalzinho.

Henry bateu com o rosto no chão. Uma pancada forte. Havia errado. O rato correu de volta para as pedras. O garotinho podia jurar que o animal zombava dele.

Henry sentiu uma dor grande na face, descendo até as pernas. Uma espécie de formigamento. Então as lagrimas vieram. Tampou a boca para não gritar. Uma lembrança veio em sua mente: do verão de alguns anos atrás, quando ele caiu na terra seca e arranhou o joelho. Seu irmão correu para ajuda-lo, colocou um bandeide no machucado manchado de um sangue escuro. E sorriu. Sentia que precisava daquilo de novo. Daquele cuidado. Talvez o culpado daquilo sempre acontecer fosse culpa dele. Talvez o seu irmão pudesse voltar a ser aquela pessoa boa, que ele conhecia

Eu não vou voltar

Levantou e embora ainda sentisse um grande formigamento no rosto e uma vontade grande de chorar feito um bebê, ele se conteve. Passou o braço entre os olhos para enxugar as lagrimas. Os lábios tremiam. Havia se esquecido do frio.

CRAC.... CRAC

Henry escutou barulhos estralarem entre as árvores, fora da clareira. Se abaixou. Tentou sentir o cheiro: Não era de couro e terra. O aroma era de primavera. Então perguntou-se alguém poderia ter o aroma de primavera, porque ele considerava aquela estação bonita. Mas os humanos não eram bonitos por dentro. Eles eram podres e cheiravam sempre a coisas ruins.

Como os homens maus

Ouviu sussurros. E embora tivesse uma boa audição, não conseguia entender o que diziam. Apenas algumas palavras.

...Caçar.....Abaixado.....Hibrido?.....Matar

Com certeza havia mais do que só uma pessoa. Não podia correr: já tinha visto os homens maus caçando outras crianças iguais a ele. Elas sempre tentavam correr, entregando seu esconderijo, mas no final eram pegas. Isso quase aconteceu com Henry uma vez: No último inverno, é sempre no inverno. Quando aquela camada branca e gélida percorre o corpo e a brisa bate como um soco no rosto. O homem mau apontava uma arma no rosto de Henry, que chorava sem parar. Então o seu irmão apareceu, porque ele era o único que ainda lhe dava algum tipo de proteção.

Eu não vou voltar

Ouviu os sapatos de alguém tocarem a grama. Então imaginou o seu irmão ali, aparecendo no meio das pessoas. Ele levantaria os braços em uma cruz, como se aquilo fosse barrar mil soldados. Olharia para todos com a cara de mau que costumava fazer, deixando todo mundo com medo.

Eu não vou voltar

O seu irmão olharia para Henry por cima do ombro. Daria um sorriso simpático com o canto da boca, para o garoto. Depois daria uma piscada, indicando que tudo ficaria bem.

Mas nunca fica bem

Eu não vou voltar

As pessoas iriam embora. O Seu irmão iria se ajoelhar até ficar na altura de Henry. Colocaria os cabelos cinzas e ondulados do garoto para atrás da orelha. A pele escura do menininho iria se camuflar com a noite.

Eu não vou voltar

E a sua inocência seria destruída mais uma vez, assim como a esperança de que o seu irmão pudesse ser uma pessoa diferente dos homens maus. Os passos na grama ficavam mais perto. Eram pesados. Henry não tinha medo de monstros, porque nunca teve a capacidade de imaginar monstros com três olhos, quatro garras e outras coisas que crianças normais temem. Porque humanos lhe davam mais medo.

Os passos ficavam mais perto

Mais perto.

Eu não vou voltar

Eu não vou voltar...


Alguém








ascendeu






uma





lanterna




e




mirou




no




rosto




de



Henry.

Sweet Tooth: FLAGELO (Em Revisão)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora