UM

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Flagelo, foi uma das palavras que mais me marcaram. Me marcaram tanto que, toda vez que a menciono ou escuto seu nome, consigo me lembrar de quando tudo começou. De estar sentada no pé da escada, admirando a janela e ver as pessoas correndo desesperadas. Foram só depois de algumas semanas que tornaram aquilo oficial: Havia realmente algo lá fora.

     Ter um pai médico ajudou. Graças a ele aprendi o que fazer para não ficar doente. Foram dias, semanas e meses trancados dentro de uma pequena casa na cidade de Yellowstone. Lembro de estar deitada no carpete azul desbotado da sala. Estava escuro. A luz da Tv iluminava um pequeno círculo em minha volta. Era sempre o mesmo canal. Foi quando uma jovem mulher apareceu no noticiário. Ela estava ofegante e pálida, apertando seu microfone. Ela levou próxima a boca, e com a voz trémula disse: Estamos de frente a um dos hospitais que presenciaram um dos maiores milagres já feitos. A tv chiou, cortando rapidamente para uma tela estática. Crianças que nasceram metade animais e metade humanos. Então a TV desligou. Foi ali que descobrimos que não teríamos mais energia.

. . .

Estava frio. Eu estava deitada olhando para o teto de madeira. Então ouvi passos apressados correndo até meu quarto. A porta se abriu devagar.

— Maya? — Indagou uma voz baixinha. Me levantei e vi um par de chifres de cervo se projetarem ao lado da guarnição da porta. Depois, dois olhos azuis me fitaram. Quando viu que eu estava acordada, entrou no quarto. Era Gus.

— Bom dia Bambi! — Eu disse animadamente para ele. Eu o chamava assim por causa de suas orelhas e chifres de cervo.

    Gus curvou suas orelhas peludas. — Eu tenho um presente para você.

— Sério? — Fiquei boquiaberta. Levantei a sobrancelha. Me apoiei nos joelhos para ficar da altura do garoto. — E o que é?

     O garoto correu sob o assoalho de madeira. Eu o segui. Quando chegamos na sala, Gus segurava em suas mãos um saco mal embrulhado. Ele estendeu o braço para me entregar. Peguei. Desamarrei o laço feito desengonçadamente por uma criança. O presente era uma pedra com o desenho de um enorme olho e uma boca desalinhada. Senti vontade de rir.

— É a irmã do Pedrinha. — Ele tirou outra pedra do bolso da sua calça. Ela era um pouco menor, mas assim como a do presente, possuía traços mal desenhados.

— Você não me disse que tinha uma irmã, Pedrinha! — Falei olhando diretamente para a pedra que Gus segurava.

     Gus levou a pedra para o seu ouvido. Fez um aceno com a cabeça. Sorriu. — O Pedrinha disse que você pode ficar com ela.

— Claro! Qualquer irmãzinha do Pedrinha é minha amiga. — Pisquei para Gus.

     O garoto riu mostrando os dentes. — Obrigado. — Ele cochichou.

— Então agora temos uma família de Pedrinhas? — Perguntou uma voz do outro lado da sala. Me virei e vi Richard, um homem de meia idade, ele tinha uma barba grande e cinza, usava um óculos redondo com as pernas da armação emendadas por uma fita.

— Sim papai! — Gus colocou a pedra de volta no bolso. — Depois o Pedrinha vai apresentar o pai dele para você.

— Quem sabe a gente não bebe em uma roda de bar e fala sobre como é difícil criar um filho? — Richard gargalhou.

Sweet Tooth: FLAGELO (Em Revisão)Where stories live. Discover now