Capítulo 5 - Os dois tipos de socorros

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10:34.

Agarrando firme o rosto degolado e torturado da criatura, o garoto sentiu uma leve queimação do sangue jorrando em suas mãos. Apenas ele olhava para a besta morta, sua forma lupina parecia permanecer daquele jeito até sua pele decompor. Ao cair em si pelo chamado de Lílian, Rael se pôs na realidade.

Assegurando que nenhuma palavra sairia pela boca sangrenta e seca em simultâneo, Lílian pedia para que sua amiga não fizesse nenhum esforço em seus braços. Logo ao lado, debruçado em joelhos, Caio fizera uma emenda com um pedaço de pano do seu calção que agora não havia uma cor definida.

— Vamos levá-la ao... Hospital. Você consegue andar, Caio?

— Eu acredito que consigo...

— Ótimo. Lílian, ajude Caio, eu vou levar Alana. — Sem querer parecer fraco ou receoso pela possível morte de sua amiga, ele colocou-a em seus braços, deitada horizontalmente, tomando o maior cuidado para que não caísse ou fizesse um movimento que poderia prejudicar-lhe mais ainda. Com pequenos passos e muito cuidado ele se pôs de pé e agora pôde observar todo cenário: uma pequena parte do casebre destruída, parecia um mini terraço inabitável, a grama que cobria o lamaçal estava rasteira após corridas e quedas, um possível cadáver em seus braços e o corpo degolado de uma criatura que parecia inexistente para todos, uma verdadeira fantasia.

Começando a se mover, todos foram em direção à trilha cercada por alguns coqueiros medianos, contudo um estrondo foi ouvido pelos jovens assim que a pequena casa quase não era mais visível para todos. Olhando em sentido contrário e com muita dificuldade devido à vegetação, Caio se assegurou de um olhar amarelado lançado para ele. Um vulto de um jovem com cabelos encaracolados saiu de dentro da casa e sem ao menos parecer preocupado com o corpo. Olhando frio e com desejo, ele se despediu com um uivo quando as mangueiras não permitiam mais a linha de olhares.

O arame farpado já era visto por todos ao se aproximarem do final do caminho escorregadio, com cuidado e dificuldade, Rael com Alana em seus braços foi o primeiro a dar a volta e sair no grande terreno encharcado, logo atrás Caio vinha segurando a base do seu dedo e sendo acompanhado pelas delicadas mãos de Lílian em suas costas. Nos seus pensamentos, tudo o que queria era alguém conhecido por perto para prestar socorro, olhando em volta e procurando por um milagre, Rael teve a certeza de que aquele senhor era uma intercessão divina. Seu Roberto reconheceu todos, mesmo cobertos de lama e desprovidos da sua aparência natural.

— O que houve, Rael? — O que houve com a moça? — Disse com a voz rouca e espantada.

— Seu Roberto... por favor, apenas chame uma ambulância... — Caindo de joelhos, mas segurando firme sua amiga, ele apenas adquiriu o olhar de pena do seu velho amigo assentindo.

11:03.

Hospital Municipal, Santa Tereza.

Após várias perguntas aos enfermeiros e negar o que havia acontecido, todos chegaram ao hospital em menos tempo que esperavam, não houve tempo para despedidas e boa sorte aos seus amigos, levada diretamente para o centro cirúrgico e sendo jogada a sua última oportunidade, Alana se despediu de todos mesmo que involuntariamente. Caio seguiu os passos do mesmo enfermeiro que o ajudou a enfaixar seu dedo, passando pela porta esbranquiçada e duplicada enquanto Lílian e Rael observavam seus amigos sumirem de suas vistas.

Girando no próprio eixo com as mãos colocadas em sua cabeça, o garoto percebeu estar cercado de olhares curiosos, de olhares que ele mesmo conhecia ao andar por essas ruas estreitas e apagadas da cidade. Sua coberta suja deixava rastros de pegadas na sala de recepção, o que fez alguns faxineiros pararem para limpar, olhando incrédulos. Sem respostas, o menino abriu os olhos percebendo a iluminação branca que circulava aquela grande sala com cadeiras azuladas e interligadas horizontalmente, alguns idosos sentados ao lado aguardavam suas fichas serem chamadas pelas atendentes localizadas à frente, em uma espécie de cubículo com vidros em sua proteção. Três ou quatro mães seguravam impacientes seus filhos nos braços, o choro delas pareciam enforcar as entranhas de Lílian que fraca e aos prantos se sentou em uma cadeira se culpando por não acreditar em nada, uma pequena dor circundou em sua cintura e logo se lembrou da arma que Rael a pediu para guardar.

Desolado em seus pensamentos sórdidos e na espera imediata de respostas, o jovem se sentou com a amiga esperando passar algum conforto, mas suas vísceras voltaram a se contorcer após uma cor de cerúleo invadir as paredes brancas e chamar a atenção de todos os presentes. Desesperado e sem a menor preocupação com sua integridade, o alto homem amarelado, careca e de barbas ruivas bem cuidadas, adentrava a porta transparente e automática, indo em direção à recepção. Seu porte físico e portando um colete escuro fez todos os presentes o olharem atentamente.

— MINHA FILHA! Quero saber da minha filha, como ela está? — Exigiu o homem com sua voz grave e desalentada.

— Ok! Qual nome... da sua filha, senhor? — Respondeu imediatamente uma moça de vestimentas comportadas e cabelos amarrados em um coque.

— Alana! ALAna Milani! — Requisitou o homem com mais firmeza.

— Certo, senhor, só um minuto. — Seu olhar se dirigiu para baixo, Rael teve a certeza de que ela buscava informações em algum computador.

— Sua filha Alana Milani se encontra agora no centro cirúrgico, peço sua compreensão para poder esperar. Se for de sua preferência, pode seguir pelo corredor e esperar ao lado da sala catorze.

Segurando as lágrimas e fechando seus punhos, o delegado no seu mais autocontrole deu um soco no batente de apoio, assustando os seguranças que agora ele reparara está localizado alguns passos atrás das recepcionistas, sentados em cadeiras giratórias mantendo o olhar de profunda compreensão ao comissário.

A vontade concordou em saber mais de sua filha, suas passadas ligeiras ultrapassaram a pressa, mas seu instinto, como o de qualquer pessoa comum, pôde ver de relance dois jovens calados e imundos sujando as cadeiras solitárias. Dentro de todas as possibilidades em sua mente, a única que veio para si, foi que os dois jovens teriam socorrido sua filha.

— Lílian!? O que houve!? O que aconteceu com minha Alana? ANda! Me responda! — Pregou desesperadamente enquanto sua presença chegava próxima aos dois.

— A Alana... Alana sofreu um acidente. — Murmurou baixo e olhando para Rael, que estava pronto para lhe dizer a verdade.

— Que acidente!? Onde foi?

— Na mata... foi na mata, senhor Derick, um animal atacou o pescoço dela e cortou fora o dedo de Caio... — Assentindo a tristeza da jovem, o homem se pôs em seu lugar e pediu para que ela ficasse de pé. Sua última preocupação foi a sujeira, quando a apertou em um abraço. Ele pôde sentir os cabelos soltos enrolando em seus dedos e um pouco de dificuldade em tirá-los devido à dureza. Uma prece saiu de seus lábios, baixa o suficiente para Rael apenas ouvir sussurros.

Abatida e transtornada, a bela garota voltou a se sentar segundos depois. — Ai!

— O que foi, Lílian? — Perguntou Rael, antes do delegado.

— Não foi nada, nada de mais, acredito que foi da queda que levei lá. — Essa desculpa foi estranhamente vergonhosa para o senhor Derick, que logo enxergou e identificou o objeto prateado na cintura da garota.

— Por qual razão você está armada e armada com minha arma, garota? — Seu tom mais tranquilo deu a todos os presentes uma sensação desconfortante de angústia.

— A culpa é minha, senhor Derick, talvez a culpa da Alana estar aqui também seja! — Respondeu, se pondo de pé e encarando de baixo para cima o alto homem careca. Seu olhar escuro penetrava as pupilas negras do homem e Rael esperou ser atingido a qualquer momento pelas grossas mãos fortes do delegado. — Eu levei eles para dentro da mata, algo estava perseguindo a mim e o Caio, então fomos atrás dar um jeito nisso, contamos para a Lílian e Alana, pedimos para que elas não fossem, pois, não sabíamos o que poderia ser, a sua filha pegou sua arma e disse que poderia nos dar se fosse conosco, eu neguei. — Ele deu uma pausa. — Eu neguei... ela foi teimosa e veio junto, eu deveria ter feito mais para impedi-las, no final de tudo ela pode ser morta por um lobisomem e, se o senhor não quiser acreditar, pode me levar preso.

Parecia que uma tonelada de peso havia saído de seu corpo, tantas informações descontroladas e jogadas diretamente ao ar fizeram os poucos presentes acharem com suas expressões, Rael louco. — Você vai me explicar isso melhor, garoto, explicar toda a verdade, saiba que não vou arriscar perder a minha filha por sua causa e ainda receber essa mentira descarada! — Portando tranquilidade e serenidade, o delegado retirou de um dos bolsos de seu colete, algemas, o aviso foi passado ao rádio e dois policiais saíram da viatura e adentraram também a recepção.

— Leve-o para a delegacia e deixe-o na cela. — Sem ao menos questionar o motivo, um dos polícias pegou pelas algemas o garoto que não fizera reação nenhuma e o levou para dentro da viatura, deixando para trás a exteriorização amarga de sua amiga, que demonstrou em seu olhar claro um breve pavor.

Delegacia.

11:31.

Cruzando o percurso de alguns polícias que trabalhavam administrativamente nos computadores, Rael foi conduzido até uma cela. Ao decorrer do longo corredor coberto com papéis e escrivaninhas, ele reparou em um telefone pendurado na grande parede amarelada.

— Meu telefone! Eu tenho direito — disse imediatamente, chamando a atenção dos dois policiais que não viram problemas e fizeram a suposição de que o menino ligaria para sua mãe.

O chamado entrou em uma linha de desespero que o fez perder as esperanças, contudo, na penúltima trilha aguda, a linha foi aberta.

— Luke?

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