Capítulo 3 - Odor familiar

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Três de fevereiro de 2007, 12:57.

O dia havia passado rápido, após a tentativa falha de acordarem cedo, ambos os três se viram almoçando com a mãe de Rael, ela estava mais tranquila e perguntava sobre os pais de Caio e Alana e até então nenhum deles havia se lembrado do ocorrido de horas atrás.

Não passara muito tempo até Alana ser a primeira a se despedir, anunciando que não sairia da cama por nada nesse sábado, que até então estava tendencioso para uma bela chuva. Em seguida, Caio deu seu até mais, com uma diferença que ele se encontraria com Rael ao anoitecer na praça central da cidade.


21:36.


A repentina noite clara e estrelada que caia sobre a cidade e pairava a praça com sua enorme bola branca no céu deixava confortável algumas pessoas naquele momento, a maioria jovens que conversavam tranquilamente e outros a jogar uma espécie de dama improvisada com tampas de refrigerante. Nem era tão tarde para voltarem para casa, não havia crimes para se preocupar naquele local, as ruas davam sensações de tranquilidade e ninguém era tão desconhecido de alguém ao ponto de se desconfiarem.

— Mas confesso que está ficando tarde, melhor irmos andando.

— É, já consegui o que queria, enquanto você estava jogando dama lá, eu consegui o número da Alicia.

— É só para isso que você vem à praça, né?

— Ah! Qual é Rael? Para jogar dama que não é. Tinha várias meninas lá, mas você estava mais preocupado em ganhar do seu Roberto.

— Aquele velho é tenebroso, não perde uma. — Ele exclamou no mesmo momento que ambos viraram a esquina, entrando em uma rua pouco movimentada. Havia apenas algumas crianças jogando bola em seu início, em um paralelepípedo, uma chorando e Caio percebeu que seu dedo estava sangrando.

— Deixa de frescura, moleque! Vai jogar.

— Eu só queria saber um dia que você nunca perturbou na vida.

— Oxe! Você reclama de tudo, parece a minha mãe, hein? — Ele articulou seus braços e revirou seus olhos no momento em que uma fina chuva caía sobre seus cabelos.

— Você não estava com a Esther, lá? — Rael exprimiu seu olhar para ele de uma forma interrogatória.

— É... não, estamos apenas nos conhecendo, nada sério, você entende, né?

— Claro, claro que eu entendo, só vou torcer para você não enrolar ela, é uma pessoa legal.

— Fica sossegado, não tem nada de mais. — Eles se preparavam para adentrar mais uma rua, mas antes dela, em um beco tão escuro que nem a iluminação luar conseguia clarear nitidamente, se encontrava um homem, ele estava sentado esfregando suas mãos, se aquecendo do frio, pois ele estava sem camisa e a chuva começava a se intensificar, seu sorriso maldoso se voltou para Caio novamente e ele pôde perceber ser o mesmo velho da madrugada anterior. Sem ao menos esperar uma atitude do amigo, Rael foi até o homem e se abaixou em sua altura.

— Pode me explicar a graça?

Um assobio quebrado e desconcertante veio de seus lábios rachados, então uma voz trêmula e irritante saiu de sua boca.

— A essência que impregna seu amigo é saborosa demais para ele.

— Do que você está falando, seu velho? Ele quem?

Seu sorriso foi mais uma vez tomando conta daquele beco estreito e apagado. Caio se aproximou e, da mesma altura que ambos, ele ficou. Ele não estava com medo, era só um mendigo louco, ele pensou.

— Você deve fazer sucesso no Halloween. — Caio o cumprimentou, adquirindo um sorriso de satisfação ao retirar sua boca do ouvido do senhor.

Eles não sabiam quem era, essa atitude desencadeou o homem a tornar-se de pé, mostrando sua aparência irregular e seu semblante de desgosto.

— Você, meu jovem loiro, será uma boa refeição, meu filho está morto de fome e seu odor o satisfaz mesmo com quilômetros de distância. Eu posso sentir por ele, eu prometo que será dolorido.

Sem entender absolutamente nada, Caio se pôs de pé novamente e caminhou até o senhor que havia pegado uma boa distância deles, acertou-o com um bonito soco em seu rosto, o que o fez sentir nojo de sua mão, não deu nem tempo de se virar completamente e viu Rael acertando um chute em seu maxilar.

O rosto do homem se sobrepôs à falta de iluminação, ele apenas sorriu mais uma vez, porém agora seu rosto estava ensanguentado, o que o deixou mais amedrontador. Quando se pôs de pé, correu em direção contrária dos garotos, cambaleando e quase caindo nos lixos espalhados. Caio e Rael o perseguiram, não o perderam de vista mesmo com dificuldades. O homem, o velho homem, parecia ter a disposição de um atleta, ele corria rapidamente e pulava certos muros com facilidade.

Após quase quedas e tropeços, todos os três se encontraram em um terreno guiado por uma enorme cerca de arames farpados e composto por barro vermelho e encharcado, ele ficara atrás de várias casas e parecia pertencer alguém, se dava em direção à mata que essa hora da noite tinha uma aparência de morta por sua negritude.

— Seus dias estão contados, meu jovem amigo de olhos virentes.

— Os dias estão contados para todos, mas para você, meu senhor, só restam alguns segundos. — Com a sua exaustão e suor pingando da testa, Rael caminhou lentamente até o senhor, que permaneceu quieto e exalando o cheiro do cansaço dos dois.

— Depois dele, será você, após saborear seu ami... — Cuspindo sangue e bramido uma espécie de uivo, o velho homem se deu conta de que uma lâmina acabara de atravessar. Sua barriga deixava transbordar uma cachoeira de sangue, que, visto pelos dois, era um sangue escuro, como a noite.

Sem parecer arrependido ou receoso, Rael cravou com mais força e retirou seu canivete em um único movimento. Sem falar absolutamente mais nada, caindo de quatro e deixando aparecer seus dentes, o senhor adquiriu uma velocidade que nem mesmo o ar conseguia o acompanhar, correndo como um cachorro, como um gato, como qualquer animal rápido e feroz, ele se inseriu em um pequeno tronco que segurava a cerca, retribuiu uma última mirada aos dois, soltando um uivo de dor, de ódio, e se desvaneceu novamente, contudo dessa vez deixando um rastro de sangue em direção à negritude da mata.

Com a adrenalina correndo em suas veias e seu temor sendo sentido de longe por Rael, Caio deslocou-se até a cerca de arames farpados e com seu dedo indicador encostou no sangue. Ele estava queimando, algumas bolhas eram feitas no chão, ele não teve a menor dúvida, estava fervendo. Com a presença de Rael ao seu lado, ele seguiu seu olhar para a escuridão do matagal.

— O que faremos?

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